Um cenário de lamaçal e destruição, causado pela circulação de veículos pesados de transporte de madeira, instalou-se nos caminhos rurais da Freguesia da Branca. A situação também afeta Angeja, com a população a ter dificuldade em aceder a empresas e habitações. Há moradias em que a lama entrou porta dentro e moradores que têm de calçar galochas para sair de casa. Os autarcas recusam-se a pagar a fatura dos prejuízos e reclamam um regulamento municipal que, segundo o presidente da Câmara, está já em elaboração.
Os caminhos florestais da Freguesia da Branca estão transformados num imenso lodaçal, provocado pela passagem de veículos pesados de transporte de madeira. A situação verifica-se também em Angeja, embora a lama, aqui, não atinja as mesmas proporções.
Os presidentes das juntas da freguesia estão preocupados com a situação, que afeta habitações e empresas e querem que os madeireiros reponham a normalidade das vias. Ambos declaram que não têm nada contra as empresas contratadas pelos proprietários florestais, e até louvam o seu trabalho, mas consideram que este não deve ser feito quando os caminhos estão ensopados de água das chuvas. “Não é justo que sejam as juntas de freguesias a suportar o custo dos estragos causados pelo negócio privado de extração e venda de madeira”, diz Carlos Coelho, presidente da Junta de Freguesia da Branca. “As empresas, nas operações de carga e descarga de madeira, deixam um rasto de destruição, e têm que se responsabilizar pelos prejuízos”, declara Hélder Brandão, presidente da Junta de Angeja, adiantando que, em 2022, foram investidos mais de 4 mil euros na reparação de um caminho com tout-venant, que agora está de novo a precisar de obras.
“Nem conseguíamos entrar em casa”
O autarca faz notar que há acessos usados por moradores e empresas, que ficaram intransitáveis, obrigando alguns populares a calçar galochas, só para poderem deslocar-se à caixa de correio, entre outras situações sui generis. Um placa de proibição de cargas e descargas foi partida junto a Rotunda do Fontão, onde é visível o impacto do transporte de madeira.
José Manuel Henriques, de Cristelo (Branca), viu-se aflito. A sua moradia, situada à beira do caminho, não escapou à lama, obrigando à intervenção da Junta de Freguesia. “Nem conseguíamos entrar em casa”, recordou o morador.
Enormes crateras, lagos lamacentos, tampas de saneamento arrancadas, resíduos vegetais espalhados ou amontoados imprimem uma visão dantesca nos caminhos florestais da Branca. A situação impossibilita a normal utilização dos caminhos, impede a circulação de veículos do INEM em caso de socorro urgente, e transtorna a vida da população.
Carlos Coelho afirma que a conta rondaria os 300 mil euros, se a Junta da Branca tivesse que pagar a reparação dos caminhos florestais destruídos. “O orçamento total não chegaria para pagar os custos”, acrescenta o tesoureiro da Junta, Daniel Pintor.
GNR identifica empresas
As juntas de freguesia contactaram a Proteção Civil e a GNR, cuja equipa de patrulhamento identificou, até ao momento, quatro empresas de madeira, número reduzido, pois haverá muitas mais por identificar. Poderá ser considerado “crime de dano”, segundo a GNR, mas compete às juntas, em articulação com a Câmara, apresentar queixa, ou simplesmente notificar os responsáveis das empresas causadoras dos estragos, a maioria de fora do concelho.
Os presidentes das juntas, por agora, têm tentado resolver o assunto “a bem”, até porque as empresas que conseguem contactar “são cordiais, reconhecem o problema e dispõem-se a limpar e a compor o que estragaram”, frisa Hélder Brandão, adiantando que, pese embora a boa vontade, “as empresas não têm maquinaria adequada para o efeito”.
Regulamento em elaboração
Os presidentes das juntas de freguesia consideram que deveria ser criado um regulamento municipal específico para a atividade de extração de madeiras, para estabelecer regras e definir responsabilidades. Contacto pelo Jornal de Albergaria, o presidente da Câmara Municipal disse que esse regulamento está já em elaboração. “Ainda este mês, vamos ouvir os parceiros – associações de produtores florestais e associações de empresários florestais – e depois o documento irá a discussão pública, para entrar em vigor em meados do ano”, informou António Loureiro.
A Associação Florestal do Baixo Vouga (AFBV), a quem cabe defender os interesses dos proprietários e produtores florestais, entende, pela voz do seu presidente, Luís Sarabando, que não interessa haver um regulamento, pois o que importa é uma “boa formação e uma cultura de bom senso, no sentido de as empresas terem o máximo de cuidado”. Ao mesmo tempo, considera que “compete à Câmara e às juntas de freguesia criar condições para o exercício de uma atividade económica importante para a região”.
Luís Sarabando defende que o poder local deve “investir na drenagem dos caminhos, garantir o escoamento das águas pluviais, e assegurar a robustez e correção das plataformas”. Diz ainda que as empresas têm de proceder a este trabalho no Inverno – tempo de chuva, pois, “no Verão, foram impedidas de o fazer, durante cinco semanas, por causa do risco de incêndio”.
Sem querer alimentar polémica, o presidente da direção da AFBV realça que deve haver diálogo e cooperação. A propósito lembra que, há cerca de 14 anos, foi “investido um milhão de euros, com apoio comunitário, em 120 quilómetros da rede viária florestal do concelho de Albergaria-a-Velha”, o que, na sua opinião, é um bom exemplo de trabalho conjunto. “A vida faz-se de parcerias”, conclui.
O presidente da Câmara Municipal sublinha a necessidade de um regulamento e afirma que o Município e as juntas de freguesia todos os anos têm investido nos caminhos florestais.