Auranca – Associação do Ambiente e Património da Branca

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Jornal de Albergaria - Auranca – Associação Do Ambiente E Património Da Branca
Auranca – Associação Do Ambiente E Património Da Branca

A população da Branca esteve mais de 10 anos em luta. Lutou pelo que considerava ser uma “destruição irreversível” da sua freguesia. A Auranca- Associação do Ambiente e Patri­mónio da Branca surgiu com o principal objetivo de defender os interesses dos Branquenses no diferendo em torno da A32 e viu agora os frutos do seu trabalho, com a anulação do dito traçado. Numa entrevista dada ao Jornal de Albergaria, a Direção desta Associação explica as razões desta luta, os impactos negativos do traçado, as dificuldades sentidas durante todo o percurso e o esperado daqui para a frente.
J.A.: Quando e porque surge esta Associa­ção?
Auranca: Este traçado surgiu muito repen­tinamente em consulta pública, em no­vembro de 2008. Numa “reunião de café” alguém chamou a nossa atenção para esse assunto. N altura surgiu alguma estupefa­ção pelo facto de aparecer um traçado a Nas­ceste do IC2, quando tínhamos um traça­do a Poente. Verificamos rapidamente que os impactos da A32 seriam enormes. Hou­ve entretanto uma Assembleia de freguesia onde foi analisada a tal consulta pública e daí surgiu a Comissão de luta contra a A32. A população foi fantástica e apoiou-nos muito desde o início. Em menos de uma semana conseguimos angariar mais de 4700 assinaturas para um abaixo-assina­do contra o traçado. Pouco tempo depois viajámos até Lisboa. Fomos recebidos pelo Presidente da AR, na altura, Jaime Gama. Depois de entregarmos o abaixo-assinado recebemos aqui todos os grupos parlamen­tares. Conseguimos tecnicamente provar que era um absurdo, o que deu lugar a um Projeto de Resolução para alteração do tra­çado.
J.A.: Porquê uma Associação e não o Movi­mento/Comissão contra a A32?
Auranca: A Comissão de luta contra o tra­çado da A32 deu os primeiros passos em todas as primeiras iniciativas. O que jus­tifica o aparecimento da Auranca foram as necessidades de carácter institucional. Tínhamos que nos fazer representar por alguma “coisa” que juridicamente tivesse valor.
J.A.: Quem são os órgãos dirigentes? Quan­tos elementos fazem parte da associação?
Auranca: Somos 110 atualmente. Joaquim Santos é o atual Presidente e Nélia Oliveira a Vice-Presidente. De ressalvar que Nélia foi durante grande parte deste percurso a Presidente da Auranca, tendo assumido outras funções há menos de 1 ano. Da di­reção faz parte também o Antero Pereira, Jorge Oliveira e Zé Rios. Há também um elemento que fez um longo percurso na direção, que é a Lúcia Antão. Sempre tra­balhamos em equipa e para nós os cargos existem apenas por uma questão burocrá­tica.
J.A.: Quais seriam os impactos negativos do traçado previsto da A32?
Auranca: Uma das grandes armas que con­seguimos desenvolver foi uma contestação técnica, muito bem desenvolvida, onde conseguimos provar quatro pontos negros do traçado. O 1º ponto com impactos ne­gativos era a estação arqueológica do mon­te de Julião, que tem sofrido intervenções anuais. A autoestrada iria passar na estação arqueológica. seria totalmente destruída. A estação está instalada num povoado do fim da Idade do Bronze, entre 1000 e 800 anos antes de Cristo. Esta estação é a base da Branca. O 2º ponto está relacionado com a Encosta Central da Branca. Com 33 me­tros, é um autêntico miradouro. Temos dali uma vista que é um património da Branca e tem que ser preservada. Em termos de riqueza hidrológica também é muito rica, toda aquela encosta tem minas e postos de água que seriam aniquilados. O 3º ponto tem a ver com os impactos que iriam surgir na zona baixa de Fradelos, onde se previa a construção de um viaduto sobre o aglome­rado urbano. Seria mau a nível de impacto visual, de ruído e dos próprios afluentes porque os camiões iriam deitar gasóleo, poluir o ambiente… O 4º ponto tem a ver com o atravessamento da zona industrial. O último Plano Diretor Municipal-PDM, fala da expansão da zona industrial, exata­mente para norte. A A32 seria um tampão ao desenvolvimento da ZI. A população do Sobreiro seria ainda mais afetada do que aquilo que já é. Aquele território, que já su­porta a A1 e A29 e também já esteve em discussão a questão do TGV, está altamen­te comprometido.
J.A.: Esta luta dura há mais de uma década. Finalmente o traçado foi anulado. Fica o sentimento de dever cumprido ou ainda há objetivos por concretizar?
Auranca: Temos a sensação de dever cum­prido, completamente! Em nenhum mo­mento nos fizeram pensar que a nossa luta era sem fundamento, sem razão, sem oportunidade…nunca sentimos isso. Os nossos argumentos eram fortes demais!
J.A.: Qual é a principal mensagem que este desfecho envia ao nosso concelho?
Auranca: De facto vemos muitas coisas se­melhantes pelo país. Não nos devemos ca­lar! Se esta luta teve alguma coisa de exem­plo para o país… (porque na nossa opinião foi quase única) é que conseguimos de for­ma pacífica e sustentada dar voz à popula­ção. Os nossos governantes e políticos es­tão pouco habituados a dar a voz ao povo e a suportar a sua atuação com a vontade do povo. A luta da Branca foi uma luta di­fícil porque mexe com governos, partidos políticos, Câmaras Municipais, Juntas de Freguesias… Vivemos numa época de lou­cura com as autoestradas e a maioria das pessoas não percebem os impactos disso. Ouvimos muitas pessoas a pedir estradas, mas nós dizíamos: “Não queremos. Já te­mos que cheguem.”

Em nenhum momento nos fizeram pensar que a nossa luta era sem fundamento, sem razão, sem oportunidade…nunca sentimos isso. Os nossos argumentos eram fortes demais!

J.A.: Que atividades/iniciativas foram leva­das a cabo para contestar o traçado?
Auranca: A primeira ação foi um corte de estrada. Nas eleições de 2009 aproveitámos para evidenciar este assunto na campanha eleitoral. Este era um problema político e acabou por chegar à discussão dos parti­dos, o que deu origem à suspensão do tra­çado. A dada altura tivemos uma reunião, digamos que discreta, onde nos foi propos­to resolver o problema só da Encosta e do Monte de S. Julião. Fizemos também uma marcha lenta. Fizemos várias caminhadas, sendo que a primeira reuniu perto de 600 pessoas. Organizámos uma conferência no CCB. Houve uma vez que soubemos que ia haver uma reunião do Governo com os autarcas do distrito de Aveiro no Hotel Melia, em Aveiro, e aparecemos lá de sur­presa. Tivemos uma reunião nas Estradas de Portugal, que foi uma das mais tensas e marcantes, onde estava toda a adminis­tração. Quando decorreram as eleições autárquicas, conseguimos uma declaração de compromisso onde os partidos se com­prometeram, caso vencessem as eleições, a constituírem uma comissão conjunta. Esta situação veio a acontecer com o atual Presidente, António Loureiro, que venceu. A parti daí a nossa luta passou a ter outra viabilidade, sem restrições. É importante dizer que o CDS e PS forma os únicos par­tidos que aceitarem assinar esta declaração compromisso, que foi disponibilizada a to­dos os partidos.
J.A.: Referiu que durante o vosso percurso houve uma “reunião discreta”. Qual foi o in­tuito desta reunião?! Pode-se dizer que era para vos “parar”?
Auranca: Sim, sem dúvida. Era uma nego­ciação que a EP estava disposta a fazer para resolver alguns problemas. E de facto re­solvia. Mas para nós era tudo ou nada. Eles cediam totalmente ou então nada feito.
J.A.: Quais foram as maiores dificuldades sentidas nesta luta?
Auranca: Sentimos que o poder político não se sente particularmente à vontade quando lida com a manifestação cívica. Preferem governar sem este tipo de pres­sões. Em um ou outro momento sentimos que não tivemos o apoio de algumas ten­dências políticas e de alguns poderes insti­tuídos. Foi uma luta muito longa. Durante estes anos não tivemos que nos relacionar sempre com o mesmo poder político e o comportamento não foi sempre linear. Isso também fez com que tivéssemos de ajustar muitas vezes a nossa luta às cir­cunstâncias. Isso foi talvez uma das maio­res dificuldades que tivemos.Houve tam­bém alguma dificuldade em nos manter sempre equidistantes. Não é fácil porque os “mal-entendidos” são muito fáceis de acontecer…Na nossa ótica, além das difi­culdades enfrentadas com o poder políti­co, houve interesses económicos. Não os sabemos definir com rigor o impacto que isso possa ter tido ao longo destes 10 anos, mas é lógico que alterando um traçado que estava instituído há 30 anos, com posterior suposta libertação desse corredor, e pondo as limitações num outro traçado, foram criadas condições para que o interesse eco­nómico se manifestasse. Estamos a falar do interesse imobiliário, da especulação dos terrenos e por aí fora… isto foi também uma dificuldade que tivemos de enfrentar, sendo que ela apareceu de forma mais ou menos encapotada.
J.A.: Em algum momento temeram o pior? Julgaram que iriam perder a causa?
Auranca: Foi uma luta longa, uma luta si­nuosa, mas nunca desistimos. A população sempre nos apoiou, não podíamos parar. Em 3 dias conseguimos mais de 4 mil e 700 assinaturas… Não foi algo feito pela internet, andámos de porta em porta… foi incrível.
J.A.: Há elementos da população a favor da construção do traçado da A32. Receiam que de alguma forma haja uma reviravolta desta decisão?
Auranca: Não cremos. Haveria certamente pessoas para quem esta luta não dizia gran­de coisa e, então, ficavam numa atitude in­diferente. Que manifestassem o desejo que o traçado se implementasse?! Nunca assis­timos a isso.
J.A.: Existe alguma personalidade a relem­brar ou agradecer por ter tido um papel cru­cial nesta luta?
Auranca: Mário Jorge deu-nos um grande apoio na elaboração da providência cau­telar. Esteve ao nosso lado desde o início. Todo o trabalho feito por ele foi a custo zero. Foi um contributo muito importan­te. Se há que relevar, temos de dizer que a Junta de Freguesia, na pessoa de Carlos Coelho, inequivocamente nos apoiou sem nenhuma restrição e sem reservas. Sobre a Câmara Municipal, nós atravessamos duas, não podemos dizer que não nos apoiaram. Não. Agora, cremos que por ve­zes se criaram alguns equívocos… Porém, há que relevar a Câmara atual que tem sido positiva nesse sentido. Nesta ultima cam­panha eleitoral, numa ação de campanha em Sever do Vouga, fizemos uma aborda­gem ao atual Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, onde tivemos a oportunidade de abordar a ques­tão da A32, que nunca tinha sida abordada no mandato dele. Depois de lhe explicar­mos, disse que não via nenhuma razão para não se resolver a situação. Entretan­to houve eleições, o PS ganhou e tudo se desenrolou muito rápido. Aqui, tivemos a ajuda do Jesus Vidinha-Presidente de Concelhia do Partido Socialista, pelo fac­to de ser próximo do ministro, acabou por ter um contributo relativamente curto no tempo, mas muito decisivo nesta fase e por isso merece esta referência. Existem muitos deputados, ministros, pessoas singulares que nos ajudaram. Ao longo do nosso per­curso apareceram pessoas que foram mui­to importantes. Ao citar nomes corremos o risco de esquecer alguns.
J.A.: O que se segue tendo em considera­ção que a Auranca é uma Associação do Ambiente e Património da Branca?
Auranca: A Auranca é uma Associação que é do património e ambiente, o que faz todo o sentido nesta altura da vida. Mas tem um problema: é que ela nasceu para apoiar a A32 e as pessoas quando olham para a Auranca não vêm outra coisa! Agora pergunta: – A Auranca pode fazer um trabalho muito interessante?! Sim, pode. – Se o vai fazer? Vamos pen­sar sobre isso um pouco mais tarde. Para já vamos gozar o momento…
J.A.: Há alguma mensagem que gostassem de acrescentar?
Auranca: Existem muitos cidadãos que colaboraram e lutaram ao nosso lado nesta causa. Não nos esquecemos de todos os contributos. Houve quem trabalhasse mui­to, de forma inequívoca e sem reservas. Queremos deixar um agradecimento geral à população porque sem eles não teríamos feitos nada. Foram eles que nos alimenta­ram e deram forças para continuar. Por outro lado, queríamos deixar uma mensa­gem aos jovens, que na altura tinham 4, 5, 6 anos, e dizer que houve uma geração de pessoas que lhes salvaguardou a Branca, o seu património e a sua integridade. Senti­mo-nos muito bem em dizer isto aos nos­sos filhos, todos nós. Acho que eles respei­tam e admiram os pais por isso. Nós sentimos isso! Do que podemos dizer no meio disto tudo é que, estes movimentos cívicos valem a pena quando defendem causas justas. Este é o legado que nos deixa­mos aos nossos filhos.