O caso da Madeira e o combate à corrupção, a polémica medida do PS para manter médicos no SNS e as propostas fiscais e para a Habitação couberam todos no frente a frente agitado entre Pedro Nuno Santos e André Ventura. O secretário-geral do PS disse ser impossível “levar a sério” o Chega e Ventura chamou-lhe “o ministro trapalhadas”.
Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista (PS), e André Ventura, presidente do Chega, protagonizam o debate da noite de ontem, dia 14, transmitido na TVI, às 21h. Os líderes partidários, antes de avançarem para a discussão, endereçaram condolências a Luís Montenegro pela morte do sogro do social-democrata.
A atualidade abriu as hostilidades, com a moderadora, a jornalista Sara Pinto, a questionar os intervenientes sobre a libertação dos três arguidos no caso da Madeira, após 21 dias de detenção. Pedro Nuno Santos defendeu que é “a justiça a funcionar, e isso é muito importante para a democracia e Estado de Direito”, mas “obviamente que o caso preocupa”.
O secretário-geral do PS defende que o papel dos partidos se deve restringir a “aprovar as leis necessárias para fazer o combate à corrupção e dar os meios necessários à Justiça”, dando como exemplo o pacote aprovado no final de 2021 “por unanimidade, exceto pelo senhor deputado André Ventura que preferiu estar num encontro com líderes de extrema-direita na Europa”, arremessou.
A regulação da apresentação de interesses, registo das interações dos titulares de cargos públicos, monotorização da pegada legislativa – “quem foi ouvido, com quem se interagiu” – e o reforço de poder da entidade da transparência são algumas das medidas que o PS defende no combate à corrupção, listadas por Pedro Nuno Santos em debate. Para saber mais sobre estas medidas, o programa eleitoral do PS discorre sobre o tema nas páginas 102-107.O líder do PS terminou com confiança na justiça e lembrou que “ao longo dos últimos tempos tivemos cada vez mais casos de corrupção a ser conhecidos e investigados e processos a serem restaurados”.
André Ventura contrapôs que “se isto é a justiça a funcionar convém lembrar que, nesta fase do processo [fase introdutória] José Sócrates também foi ilibado”. O líder do Chega acrescentou que “esta decisão não retira os factos que são conhecidos – enriquecimento de alguns personagens à vista de todos, a não declaração de património e a concentração de metade dos apoios públicos a uma empresa. Este circuito de corrupção não morre com nenhuma decisão. É evidente que a Justiça precisa de uma reforma. O programa do PS é como Melhoral, não faz bem, nem mal, deixa tudo igual”, atacou.
Arresto de bens e menos recursos
Ventura apresentou as medidas do Chega como a peça em falta no combate eficaz à corrupção – aumento das penas, confisco e apreensão de bens “para que os Ricardos Salgados desta vida não continuem a gozar connosco dos seus palácios”. O líder do Chega lembrou que o PS votou contra estas propostas e frisou ser preciso “ter coragem para fazer esta reforma”. O partido lista estas e outras medidas nas páginas 8-10 do programa eleitoral.
Pedro Nuno Santos garantiu que as medidas do adversário nada mudariam porque já existem. “Não traz nada de novo. O Chega quer fazer de conta que combate a corrupção e apresenta coisas que já existem. O arresto preventivo de bens e o confisco já existem”, afirmou. Ventura insistiu que o arresto continua a ser “o grande desafio do nosso tempo” por ser feito apenas “1 a 3%” dos casos. O secretário-geral do PS retorquiu que “a forma de combater a corrupção é com a lei e com os meios. Não há nenhum estudo que nos diga que há mais corrupção. Há uma maior perceção de casos, o que advém desse funcionamento da justiça”.
O líder do Chega defendeu igualmente a diminuição do pedido de recursos em tribunal em 1/3, tendo o próprio admitido, no Congresso do partido, como referiu a moderadora, que tal “significa diminuir os direitos fundamentais dos cidadãos”. Venturou usou José Sócrates como exemplo de quem já recorreu “umas 30 vezes” e “outros” responsáveis por “entupir os tribunais há anos”, num sistema “que parece que foi criado à medida da corrupção” que só beneficia “os mais ricos”.
Pedro Nuno Santos aproveitou para trazer à conversa um recurso feito por André Ventura, proveniente da condenação saída do debate para as Presidenciais 2021 frente a Marcelo Rebelo de Sousa, quando chamou “bandidos” a membros da família Coxi, residentes no bairro da Jamaica, em Setúbal. “Eu cá nunca fui condenado, mas Ventura já foi e recorreu. Não pode ser para uns, os direitos que não queremos para nós”, atirou. Ventura defendeu-se dizendo que se tratou de um processo civil e não criminal.
Salvar o SNS
Na área da Saúde falou-se da mais recente medida apresentada pelo PS de querer manter os médicos formados em Portugal no SNS durante um período mínimo obrigatório ou terem de compensar o Estado quando emigram ou vão para o Privado. “Deve ser feito em conversação. Não será obviamente uma imposição, mas tentaremos criar as condições para que seja atrativo ficar”, esclareceu Pedro Nuno Santos.
Ventura acusou o secretário-geral do PS de estar a recuar na medida. “A medida não só não faz sentido como demonstra bem que Pedro Nuno Santos é um candidato impreparado para ser primeiro-ministro porque a ideia não era esta, era amarrar mesmo os médicos ao SNS. Claro que, entretanto, foi avisado até por antigos ministros, como Adalberto Santos, que chamou a medida de estalinista, e percebeu que tinha de voltar atrás. Então voltou atrás e agora já é negociação”, atacou.
O líder do Chega acusou ainda Pedro Nuno Santos de ser o “candidato amnesia” por agora defender aumentos na Saúde, mas ter votado contra o aumento de enfermeiros. André Ventura afirmou que o partido que lidera defende um aumento de salários para médicos e enfermeiros, aumento da oferta dos cursos de Medicina, um sistema de incentivos para que fiquem no SNS feito através do pagamento de horas extraordinárias e benefícios fiscais.
Pedro Nuno concordou com o aumento de vagas em Medicina e afirmou que existe já um “pré-acordo com os médicos com o aumento da grelha salarial em 15%, com a possibilidade de mais 43% para a dedicação plena, já temos dois mil médicos que aderiram ao regime. Há trabalho para fazer, com a certeza de que queremos salvar o SNS, não queremos um desvio de recursos para o negócio da Saúde. As pessoas quando precisam de resolver um problema grave e raro de Saúde vão ao SNS”, defendeu.
O secretário-geral do PS criticou ainda o programa do Chega por ser apresentado sem contas feitas e pelo líder já ter defendido tudo e o seu contrário. “André Ventura quer tudo, já quis extinguir o Ministério da Educação, já quis extinguir o Ministério da Saúde, já quis acabar com o cargo de primeiro-ministro. As posições do Chega não são para levar a sério”, acusou.
Ventura respondeu que o aumento das listas de espera e as faltas na cirurgia são resultado do “maior falhanço” no SNS e culpa do Governo de Pedro Nuno Santos. “O seu governo já pôs 15€ mil milhões no SNS e não aconteceu nada, é o maior valor de sempre”. O Chega propõe para a Saúde um sistema misto, com a reativação das PPP, numa cooperação entre “privado, social e público, em vez de estarem a destruir-se uns aos outros, devem unir-se para apoiar o cidadão. O Pedro Nuno Santos, pelos vistos, só quer saber se é público”, detalhou.
O PS lista as medidas para a área da Saúde na páginas 60-66 do programa eleitoral e o Chega reserva-lhes a secção da 28-31.
“Não dá para levar a sério”
Ventura foi questionado sobre o risco de abalo das contas públicas provocado pelas medidas fiscais do partido, com a possibilidade de comprometer obrigações estatais como o pagamento de pensões. O partido defende a descida do IRC, menos IVA para eletricidade, gás, restauração e combustíveis, IVA 0% para bens essenciais e acabar com o imposto adicional a produtos petrolíferos – tudo sustentado com o dinheiro que o Chega quer ir buscar à corrupção e economia paralela.
Ventura respondeu que as propostas sobre impostos do partido e o aumento das pensões custariam 10€ mil milhões em seis anos. “Uma boa gestão deste país não só resolvia o problema como punha o país a crescer 4% ao ano”, garantiu. Pedro Nuno insistiu que se trata de um plano inexequível. “Estamos a falar de 9€ mil milhões todos os anos, não é possível. É uma despesa permanente. O André Ventura não está preocupado se é viável ou não, está preocupado em enganar as pessoas”, afirmou o líder do PS.
Pedro Nuno insistiu que Ventura “não dá para levar a sério” e deu como exemplo a inconsistência de não ter estado ao lado dos polícias nem dos professores nos seus tempos de PSD e que agora “aderiu à ideologia da moda”. O líder do PS acusou Ventura de ser, no fundo, “um político do sistema” que está “a tentar subir”, mas que o “parceiro que tanto deseja não o leva a sério”, disse, referindo-se ao PSD.
A termos de medidas fiscais, Pedro Nuno Santos enumerou como propostas do PS: reduzir do IRS, baixar despesas com tributações autónomas “beneficiado todas as empresas, não apenas as maiores”, aumentar dedução de 600€ para 800€ com rendas, devolução no IVA todos os anos para quem não ganha o suficiente para pagar IRS – ver página 26 do programa do PS.
“Geria a TAP por WhatsApp”
A fechar o tema da fiscalidade, Ventura foi ao ataque e lembrou a polémica da TAP, apelidando Pedro Nuno Santos de “o ministro trapalhadas que geria a TAP por WhatsApp”. O líder do PS defendeu-se dizendo que é “um ministro com resultados, o André nunca governou e não sabe do que está a falar, respondeu.
Sara Pinto orientou, na reta final, o debate para a Habitação. Ventura acusou o secretário-geral do PS de ser “o grande responsável pela falta de habitação em Portugal”, afirmando que o período de governação socialista “foi o período que construímos menos”, em comparação com os restantes governos sociais-democratas. Pedro Nuno Santos alertou que os dados apresentados por Ventura se referem à construção privada fortemente influenciada pela crise financeira.
Pedro Nuno Santos enumerou as medidas do PS para combater a crise na habitação, entre as quais: alargar o Porta 65 retirando o teto às rendas, travar aumento das rendas, criar uma garantia pública para os jovens que queiram comprar casa e a contratualização com Estado de um contrato de arrendamento em casos de incumprimento por falta de meios.
Pedro Nuno Santos atacou Ventura por defender medidas que não beneficiam as pessoas, na área da Habitação, e descartar as que já funcionaram no passado, como o fim dos vistos gold, a restrição de licenças para Alojamento Local (AL) e a proibição de venda de casas a não residentes. Ventura acusou o adversário de querer matar o negócio do AL quando tanto se desejou que houvesse essa reabilitação de edifícios.
A queimar o tempo, o secretário-geral do PS terminou com a afirmação de Ventura, feita em entrevista à CNN, de que tem a “garantia absoluta” de que haverá uma maioria de direita mesmo que Montenegro não ganhe – o que significaria que o PSD iria em sentido contrário às linhas vermelhas que o líder social-democrata tem estabelecido em relação co Chega. “Já que é um homem frontal, diga-nos quem lhe deu essa garantia?”, lançou. Ventura não respondeu e não houve tempo para mais.
Para saber mais sobre as medidas dos partidos para a Habitação consulte as páginas 37-38 do programa do Chega e as páginas 69-71 do plano do PS e 56 para casos específicos de RSI e pessoas em situação de sem-abrigo.
O JA acompanhará todos os confrontos entre os partidos que têm, simultaneamente, maior representação parlamentar e peso local: AD – Aliança Democrática (PSD/CDS-PP/PPM), PS – Partido Socialista, Chega, BE – Bloco de Esquerda e CDU – Coligação Democrática Unitária (PCP/PEV). Os balanços, com verificação de factos e síntese de ideias discutidas, serão publicados na manhã seguinte ao debate.