Num frente a frente centrado numa potencial solução governativa, Paulo Raimundo (CDU) e Pedro Nuno Santos (PS) falaram também de Justiça, Habitação, Salários e das ameaças de Trump aos países que devem dinheiro à NATO.
Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista (PS), e Paulo Raimundo, secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP) em representação da CDU – Coligação Democrática Unitária (PCP/PEV – Partido Ecologista os Verdes) estiveram no frente a frente de ontem, dia 17, com transmissão na SIC.
A jornalista Clara de Sousa, no papel de moderadora, abriu a conversa com o caso da Madeira, questionando Pedro Nuno Santos sobre as três declarações diferentes que fez sobre o tema em apenas três dias – primeiro, demonstrou-se apreensivo com o tempo de detenção (21 dias) mas disse que “era a Justiça a funcionar”; no dia seguinte, falou de uma reforma no setor e, por fim, pediu explicações à PGR.
“Não há nenhuma contradição. Sempre disse que não comento casos concretos, mas não vou deixar de falar das medidas que o PS tem para a Justiça. A Justiça está a fazer o seu trabalho, isso não quer dizer que esteja acima do escrutínio. Não há nenhuma área da vida em sociedade que possa estar ausente do debate público e da reflexão”, respondeu Pedro Nuno Santos, reforçando a importância de um consenso político alargado para uma reforma da Justiça.
Paulo Raimundo frisou ser fundamental “a aproximação da Justiça às pessoas”, lembrando que o aceso à defesa não é igual para todos, sobretudo pelo peso das custas judiciais, o que resulta na normalização de casos de “despejos injustos e despedimentos fraudulentos”. Sobre a possibilidade de um pacto na Justiça, disse que “os dois maiores partidos têm a grande responsabilidade da governação do país” e que “o problema não é um pacto para a Justiça é o pacto que tem havido na justiça”, atacou.
As medidas do PCP para o setor aparecem listadas no programa eleitoral nas páginas 79-81 e seguintes para pontos não mencionados em debate e o PS dedica-lhes as secções das 102-107 e 118-122.
CDU não esquece “chantagem” do PS
Sobre pactos para a governação, Pedro Nuno Santos afirmou que o PS tem “as melhores condições para garantir estabilidade, mesmo trabalhando com partidos com quem já trabalharam”, não fechando totalmente a porta a uma coligação com a CDU, apesar de ter reforçado que a prioridade é concentrar votos no PS. “Desejo o melhor para o PCP, para o BE e para o Livre, mas quero é que as pessoas votem no meu partido”, garantiu.
Relativamente ao possível esvaziamento de votos à esquerda, Pedro Nuno Santos afirmou que não faz previsões pois “os votos são dos portugueses, não são dos partidos” e voltou a demonstrar-se focado em “ter o melhor resultado possível, para derrotar a direita, desde logo a AD, que é o nosso principal adversário”.
O secretário-geral do PCP garantiu que o discurso de Pedro Nuno Santos não afeta o resultado da CDU. “O que está em causa é a avaliação que as pessoas fazem destes últimos dois anos de maioria absoluta – da resolução dos problemas do SNS, da Habitação, dos Salários e das respostas imediatas que são precisas dar em várias vertentes da nossa vida”, afirmou.
Em relação a soluções de Governo, Raimundo lembrou a “chantagem e pressão feitas há dois anos pelo PS” para o voto útil que levou à maioria socialista. “O eleitorado deitou-se com a ideia de um contributo e acordou com uma maioria absoluta”, ripostou Raimundo, com a certeza de que “mais do que útil, o voto necessário é na CDU, se há alguém com experiência acumulada é o meu partido e é a maior garantia ao combate à direita, venha ela de onde vier e tenha ela as formas que tiver”.
As creches, os passes, os manuais gratuitos e os aumentos extraordinários das reformas foram alguns dos momentos enumerados por Raimundo para demonstrar que a CDU tem “uma grande coerência na sua ação: não faltou aos momentos positivos, nem nunca deixou de estar à frente no combate aos aspetos negativos”. Sobre se estaria disponível para ter um ministro no Governo de Pedro Nuno Santos, Raimundo respondeu que os partidos têm “um projeto muito diferente nas questões fundamentais”, mas realçou que importa o conteúdo das propostas e não a forma do entendimento.
Divergências e memórias da geringonça
Pedro Nuno Santos recuou a 2023 para lembrar que o PCP não se juntou ao PS para aprovar a agenda para o trabalho, agora em vigor. “Foi um avanço laboral muito importante em que o PCP quis estar contra. Apesar do PCP ser um partido coerente, é incoerente quando diz que tudo o que é no sentido positivo vota a favor”, lançou.
O secretário-geral do PS atacou o programa da CDU por apresentar um aumento de salários em 15% que representa 3€ mil milhões de despesa contínua e a “chuva de promessas [expressão que tem sido utilizada por Raimundo] não pagáveis e não realizáveis” do PCP, argumentando que, em três propostas – salários, pensões e habitação – está um aumento de despesa de quase 7€ mil milhões. “É muito importante dar resposta aos problemas do país, mas com a capacidade financeira e económica que temos. É muito importante para o PS continuar a reduzir a dívida pública”, defendeu Pedro Nuno Santos.
Raimundo justificou o voto contra a agenda para o trabalho por não incluir “o milhão e trezentos trabalhadores por turnos, com trabalho noturno e horários atípicos” e respostas para a contratação coletiva. Em relação aos custos do programa da CDU, comparou a atitude à da Iniciativa Liberal: “Pedro Nuno Santos utiliza o mesmo método de Rui Rocha no debate que tive com ele, que é perguntar como é que se paga. Quando não temos vontade para as medidas, é a primeira coisa que se pergunta. Ninguém nos perguntou se havia 20€ mil milhões para pôr na banca, foi-se buscar a algum sítio”.
Pedro Nuno Santos distanciou-se da direita e do “corte transversal e cego do IRC” e defendeu que os salários não se aumentam por decreto, mas com “uma economia mais moderna, mais diversificada”. Para lá chegar, o PS tem “uma estratégia que implica que o país consiga, envolvendo as associações empresariais e a Academia, fazer o que outras economias liberais fazem: selecionar setores com maior capacidade de arrastamento e concentrar recursos públicos naquilo que pode ter consequências de transformação da economia. Este é o nosso maior desafio: alterar o perfil de especialização da economia portuguesa”, detalhou.
Pedro Nuno Santos voltou aos tempos da geringonça para salientar que o projeto conseguiu “mostrar que era possível fazer diferente do que a direita tinha feito”. “Vamos agarrar-nos a isso! Mas com sentido de responsabilidade”, apelou ao adversário. Paulo Raimundo salientou que o “determinante” para a coligação ser possível foi “a força que o PCP e a CDU” junto das estruturas sindicais. O secretário-geral do PS achou a consideração “excessiva”.
As medidas do PCP para aumentos salariais surgem nas páginas 38-49 do programa eleitoral e as do PS nas páginas 18-31.
Pão, Saúde e Habitação
Clara de Sousa centrou o debate na Saúde, ao questionar Pedro Nuno Santos sobre o que tem para oferecer aos médicos. O líder socialista diz que o atual estado do SNS é “um problema sério, de difícil resolução” e apresentou como propostas para o colmatar a valorização dos profissionais de Saúde e “melhoria organizacional do SNS”.
Esta melhoria será conseguida, defendeu, através da generalização das Unidades de Saúde Familiar, o reforço dos cuidados de saúde primários, dotar os Centros de Saúde de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, mais autonomia à gestão hospitalar e reforçar frequência e competências de médicos ao domicílio para pessoas idosas, como expôs no debate com Mortágua, na noite anterior.
Raimundo considerou relevantes as propostas e questionou o porquê de não terem sido feitas durante a maioria do PS e defendeu que o maior problema se prendia com a falta de profissionais no SNS – sem estes, nenhuma medida é concretizável. “E, por isso, é preciso reter os que temos e ir buscar onde eles estão e trazê-los para o SNS. Isto não vai lá com as medidas que estão em andamento”, afirmou.
Antes de ter respondido sobre a Saúde, Raimundo foi à Habitação. “Nós somos todos chamados a contribuir para o problema da Habitação, mas banca e os seus mais de 6 milhões de euros de lucros em taxas ficam fora deste esforço”. O secretário-geral do PCP aproveitou ainda para regressar aos salários, chamando à atenção para os “três milhões de trabalhadores que ganham mil euros brutos por mês, é metade da mão de obra”. Raimundo defendeu que o foco deveria estar aqui e não no custo das medidas.
O PS lista as propostas para a área da Saúde na páginas 60-66 e a CDU entre a 49-52 e seguintes para medidas não mencionadas em debate.
PCP distancia-se de Putin
Na reta final, Clara de Sousa falou das recentes ameaças de Trump sobre os países que estão em dívida para com a NATO. Pedro Nuno Santos defendeu que a “NATO continua a ser muito importante” e conta cumprir o compromisso assumido com a entidade e “com os aliados”.
Raimundo referiu a descrença em forças como a NATO para construir soluções de paz. “O caminho da paz que todos ambicionamos não é compatível com a corrida para o armamento. Em vez de investirmos mais dinheiro em armas, deveríamos investir em sentar os líderes mundiais a procurar caminhos para a paz”, defendeu.
Por último, a propósito da morte de Alexei Navalny, ativista russo e principal opositor político de Vladimir Putin, Paulo Raimundo reconheceu que o caso está envolto “em circunstâncias que levantam dúvidas” e que “todos os cidadãos têm de ter garantidos os seus direitos”. O líder do PCP reforçou que o partido se distancia “completamente do governo capitalista russo”.