Perante o abandono de terras, falta de produtividade das pequenas parcelas e aparente desinteresse das gerações futuras, a Associação Florestal do Baixo-Vouga propõe juntar proprietários como forma de ganhar escala e rentabilidade. A sessão que antecedeu a Assembleia Geral da entidade contou ainda com uma mesa-redonda para debater “como mudar a página” no capítulo do ordenamento do território.
Se, por um lado, a “floresta está na moda” em inúmeros setores da economia e é motor para uma produção mais sustentável; por outro, o país florestal continua a ser “um manto de retalhos” sujeito ao iminente perigo de incêndio, como sintetizou Luís Sarabando, diretor técnico da AFBV – Associação Florestal do Baixo-Vouga.
A abrir a sessão que antecedeu a Assembleia Geral da associação, Luís Sarabando, na apresentação “O Estado da Gestão Florestal no Baixo Vouga: Para Onde Vamos?”, chamou à atenção para a predominância do minifúndio na floresta portuguesa, com terrenos demasiado pequenos e divididos para gerar escala ou rentabilidade.
Para além disso, o excesso de burocracia, mudança frequente de regras e leis, desinteresse aparente das gerações futuras, envelhecimento dos atuais proprietários, elevado preço da mão-de-obra e máquinas florestais e o grande risco de incêndio foram igualmente apontados como motivadores para o abandono de terras ou descuido no trato das mesmas.
Juntar para solucionar
Perante este cenário, Luís Sarabando afirmou que é uma “escolha racional e legítima” que o proprietário opte por plantar o que for mais rentável ou, pelo menos, menos prejudicial. O diretor-geral afirmou que a Associação fala “sem medos” do eucalipto, mas defendeu que “temos de acabar com o monótono de eucalipto e pinheiro e mesmo de invasoras, como as acácias”.
No entanto, reforçou que “o problema não está nas espécies”, mas na forma como são plantadas. “Temos de ter as coisas certas nos sítios certos e com escala suficiente para gerar rentabilidade”, defendeu. Para tal, a grande bandeira da AFBV é juntar proprietários vizinhos, num modelo tipo puzzle, de modo a formar uma propriedade coletiva, gerida de forma comum.
Deste modo, explicou Luís Sarabando, a dimensão do terreno permitirá, por exemplo, captar investimento a partir de candidaturas a fundos para financiamento ou ser mais atrativo para empresas que realizam trabalhos florestais – a quem dificilmente compensaria concretizar um serviço num minifúndio.
“O modelo de gestão atual da nossa floresta está esgotadíssimo e vocês são as principais vítimas”, afirmou, dirigindo-se à audiência. “A gestão da minha floresta não vai parar um incêndio. O minifúndio atual é ingovernável”, reafirmou Luís Sarabando. Nestes moldes, a AFBV tem “apoiado milhares de decisões de investimento” e intervém numa média de 2 mil hectares por ano.
Mudar a página
Seguiu-se à intervenção do diretor-geral, a mesa-redonda “Como mudar a página?”, moderada por Bruna Oliveira, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro. José Eduardo Matos, secretário-geral da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro, reforçou o diagnóstico de Sarabando.
A experiência de José Matos como autarca, na realização de centenas de escrituras para a construção de um grande projeto local, ilustrou, para si, o desconhecimento que os proprietários têm pelos próprios terrenos. “Só cerca de 15% das pessoas sabia exatamente o que estava a doar. Mais de metade não sabia”, relatou.
O secretário-geral da CIRA afirmou que a comunidade intermunicipal tem o ordenamento florestal como prioridade. Neste sentido, José Matos listou medidas de ação como o reforço de videovigilância, sistema integrado de prevenção e combate a incêndios, adesão ao programa ‘Aldeia Segura, Pessoas Seguras’ e sessões de sensibilização para cuidados a ter, dinamizadas pela GNR e Proteção Civil.
Estado chamado a agir
José Martino, da Espaço Visual – Consultores de Engenharia Agronómica, defendeu que, na hora de vender, os proprietários são “inteligentes e racionais”, pelo que, se o preço fosse justo, não existiriam assim tantas barreiras – aliando esta desvalorização ao valor sentimental que muitas vezes tem a terra, as parcelas ficam por vender.
Pelo que, defendeu ser papel do Estado “definir onde e o que plantar e compensar o proprietário” quando necessário. “Se o Estado não quer que eu plante eucalipto, vai ter de me recompensar por essa perda. Se me está a retirar o direito que era meu e deixou de ser, eu tenho de ter uma recompensa”, advogou José Martino.
Para cobrir o prejuízo dos proprietários, apresentou contas que, segundo o próprio, demonstram que as autarquias não gastariam mais “do que aquilo que se gasta em festas” e, para o Estado central, defendeu que deveria ser investido neste tipo de compensações um mínimo anual de 100 euros por hectare. “Se a floresta é considerada essencial e se os proprietários são chamados a contribuir para tal, o Estado tem de pagar”, reiterou.
Sobre a forma de trabalho da AFBV, Martino desejou que existisse uma associação a fazer o mesmo trabalho em Gondomar, onde tem atividade, e afirmou que seria o tipo de iniciativa na qual estaria disposto a participar com terrenos próprios, caso compensasse financeiramente deixar de ter intervenção direta nos mesmos.
Floresta e comunidade
Rafael Marques, da Bioliving, levou ao debate o projeto Lusitanica, dinamizado pela associação, como exemplo pequeno do que se pode fazer à grande escala, uma espécie de laboratório para o que poderia ser concretizado de forma generalizada, com um equilíbrio entre a vontade dos proprietários e a defesa da natureza.
O Lusitanica é um projeto de conservação da natureza que se materializa na criação de micro-reservas que proporcionam condições para a biodiversidade prosperar e tornar os territórios mais resilientes a incêndios. Estes espaços servem igualmente como elo de ligação entre a terra e a população, através de atividades dinamizadas com voluntários e comunidade local.
O representante da BioLiving defendeu igualmente o modelo de gestão coletiva da AFBV como o mais vantajoso a nível de sustentabilidade ambiental e como a única forma de replicar o que se faz nas micro-reservas da Lusitanica. “Não se consegue gerir de forma sustentável num minifúndio”, afirmou Rafael Marques, lembrando a maior probabilidade dos produtores de conseguirem financiamento vindo de fundos nacionais ou externos se agirem em conjunto.
Menos voluntários
Para além dos desafios entre conjugar desejos ecológicos e evitar perdas financeiras, Rafael Marques lamentou a queda no número de voluntários que têm participado nas atividades da BioLiving relacionadas com a floresta, sobretudo desde a pandemia da covid-19.
“A nova geração não está a conectar-se com esta parte da natureza. Nesse aspeto, todos estamos a falhar e deveríamos fazer uma reflexão sobre o porquê de isto estar a acontecer”, defendeu Rafael Marques.
Por fim, Joana Duarte, diretora de Segurança, Ambiente e Qualidade da Bondalti, relatou como a empresa decidiu investir no restauro florestal e preservação da micro-reserva do Vale do Rio Cabrão, em Canelas, como forma de compensar pelo “grande consumo de energia” que serve a atividade económica.
“Quisemos ir além do clássico da descarbonização e optar por investir num local onde a empresa está, que dissesse algo aos trabalhadores e pudesse ser também uma zona educativa”, afirmou Joana Duarte.
O projeto, feito com a Câmara Municipal de Estarreja, AFBV e União de Freguesias de Canelas e Fermelã, foi apresentado por Rafael Marques e a diretora assegurou que a forma como foram abordados foi essencial para o sucesso do projeto.
“É muito fácil para uma empresa aceitar um projeto quando ele está bem estruturado e nos mostra o retorno do investimento que estamos a fazer”, elogiou Joana Duarte, reconhecendo que o mais desafiante foi a conjugação de desejos de todas as partes envolvidas e a burocracia inerente ao desenvolvimento dos trabalhos. “Mas, encontrámos um modelo e podemos ajudar quem estiver interessado em replicá-lo”, incentivou.





