Montenegro e Ventura protagonizaram o debate televisivo mais longo até agora, numa troca de palavras sempre acesa e onde sobrou pouco tempo para discutir medidas concretas. O líder do PSD reforçou a linha vermelha com o Chega, partido que categorizou como sendo o “grau zero da política”. Ventura acusou Montenegro de ser “o idiota útil da esquerda”.
Foram 36 minutos de debate televisivo, na noite de segunda-feira, na RTP1, entre Luís Montenegro, líder do PSD, em representação da coligação Aliança Democrática (AD), e André Ventura, presidente do Chega, no frente a frente mais longo até então.
“Já lhe fizeram a pergunta e para evitar equívoco, de uma vez por todas, faço-a de forma muito clara: com vitória do PS sem maioria, deixa os socialistas governarem o país – sim ou não?”, lançou o jornalista João Adelino Faria, moderador do debate. Montenegro respondeu ao ataque, afirmando que o Chega é o “grau zero da política” e que “o PSD, por uma questão de princípio, nunca alinhará com alguém que tem opiniões populistas, xenófobas e excessivamente demagógicas”.
O líder do PSD criticou também a linguagem do adversário em contexto político, usando como exemplo o momento em que chamou o PSD de “prostituta política” por se ter coligado “aos fundamentalista do PAN” na Madeira para manter o poder. Quando oferecido a oportunidade de recuar na afirmação, Ventura não o fez, e reforçou: “É o PSD a querer agarrar-se ao poder de qualquer maneira. É o idiota útil da esquerda, a quem deixa a via aberta e a autoestrada para o poder”.
Montenegro insistiu que não governa se não ganhar eleições e frisou o “não” ao Chega, que acusou de apresentar um programa que custaria mais de 25€ mil milhões considerando apenas as 13 medidas de maior impacto financeiro, segundo as contas do PSD. “São 9,3% do nosso Produto. É uma gestão que se fosse levada a sério era igual à do engenheiro José Sócrates, levaria o país à banca rota”, detalhou. Ventura, no meio de interrupções, contestou o valor apresentado, mas sem contraponto.
Sobre o cenário do PS vencer sem maioria, a resposta foi menos firme e Ventura aproveitou. “O país ficou a saber que o doutor Luís Montenegro é incapaz de tomar uma decisão. Salta para o colo do PS, como sempre fizeram (…). O PSD não quer vencer nem modernizar. Está só preocupado com uma coisa: continuar a dar lugar ao PS e distribuir tachos a todos os amigos do PS e PSD”, atirou o líder do Chega.
Luís Montenegro reafirmou que a AD está a “lutar para ter a maioria absoluta, por crescer cada vez mais e restabelecer a confiança dos portugueses, não vou equacionar outro cenário”. Do outro lado, o Chega afirmou que “tudo fará para tirar o PS do poder” e acusou o PSD de avançar com “arrogância” e “irresponsabilidade” por recusar a vontade do Chega de convergir à direita. “Eu saí do PSD para que a direita tivesse maioria. Aparentemente, o doutor Luís Montenegro ficou no PSD para que o PS continuasse em maioria. É essa a diferença entre nós”, rematou Ventura.
Forças policiais e aproveitamento político
O tema da Segurança chegou ao debate por via de uma preocupação expressa por Montenegro, citada pelo moderador, relativa à infiltração de forças de extremistas e populistas nas manifestações da polícia.
O líder do PSD, questionado se estaria a referir-se ao partido do adversário, respondeu: “É indiscutível que há uma instrumentalização das forças de segurança no discurso do Chega. A irresponsabilidade não é só financeira. O programa defende os agentes podem ter filiação partidária e acesso ao direito à greve. A primeira é querer colocar os partidos políticos dentro das esquadras e dos quartéis da GNR. O direito à greve, debatido há muito tempo, coloca em causa o exercício de autoridade das forças de segurança e tem uma agravante na GNR – sendo uma força militar, significa que Ventura defende igual direito para as Forças Armadas”, criticou Montenegro. Ventura negou a equivalência, mas não elaborou.
O Chega defendeu o direito à greve, justificando que tal pode ser feito com regras, tal como acontece com os médicos. “Vocês espezinharam estes homens. Vocês falharam às forças de segurança (…) não têm direito à greve, não têm direito de filiação e ainda não lhes damos o suplemento que é mais do que justo”, lançou, dando como exemplos de países onde existe greve de polícias a Bélgica e a Suíça.
Montenegro reconheceu que as forças de segurança foram afetadas por um “situação injusta que lhes concedeu uma desigualdade enorme” e comprometeu-se, logo nos primeiros dias de Governo, a “iniciar um diálogo, uma negociação direta, para encontrar soluções do ponto de vista das suas carreiras, valorização do seu trabalho, estatuto remuneratório e até no campo da contratação”.
O líder do PSD tentou trazer o tema das penões a debate para reforçar os elevados custos orçamentais do programa do Chega, mas o moderador finalizou a ronda com a corrupção. Neste campo, o PSD propõe atenuar burocracias e criar um mecanismo de administração mais transparente, regulamentar o lobby e criminalizar o enriquecimento ilícito – ver páginas 68-72 do programa eleitoral da AD.
A apresentação destas medidas não impediu Ventura de acusar o PSD de não as ter. “O país já desconfiava que a AD não tinha nenhuma proposta para combater a corrupção. As que tinha, aliás, foram copiadas do Chega”, afirmou, frisando que o Chega “quer ir mais longe” e “apreender e confiscar bens dos corruptos” – ver páginas 8-10 do programa do Chega.
O Chega voltou a aludir aos 20€ mil milhões perdidos por ano em corrupção, esclarecendo que o valor pode ser coletado através da aceleração de mecanismos de confisco e apreensão de bens provenientes de crimes de corrupção, para que seja redirecionado para um aumento dos rendimentos das famílias e das empresas – ver páginas 56-58 do programa.
Pensões e reconciliações
Perto do fim, lá chegou a vez das pensões. Luís Montenegro evidenciou o “realismo” e “exequibilidade” do programa do PSD, dando como exemplo a proposta de fazer equivaler o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) para 820€ – sendo o valor real do CSI a parcela necessária para atingir estes 820€ e, portanto, dependendo o seu cálculo dos restantes rendimentos da pessoa. Ver páginas 128 e 129 do programa da AD.
“Um pensionista que recebe apenas uma pensão de 300€, para ter 820€, o Estado compromete-se dar-lhe 520€. Na proposta do André, alguém que tenha uma pensão de 300€ e outros rendimentos que totalizem os dois mil euros, ele aumenta a pensão de 300€ para 800€ na mesma”, exemplificou o líder social-democrata.
André Ventura defendeu-se lembrando outros tempos e agarrando ataques de debates passados. “Não me preciso de reconciliar com os idosos, ao contrário do PSD que cortou pensões”, atirou, referindo que “Luís Montenegro foi o líder parlamentar que realizou o maior corte de pensões da nossa história”. O líder do PSD acusou Ventura de mentir aos idosos com promessas irrealistas e lembrou que nos tempos em que acusa o PSD de cortar pensões também lá estava.
Na reta final, Luís Montenegro reforçou que o maior adversário do PSD para estas eleições não é o partido de Ventura. “O grande adversário e único que tenho nestas eleições é o PS que é alternativa de governo que se coloca diante dos portugueses para os próximos anos. O PSD é o adversário do Chega”, rematou.
André Ventura acusou-o de arrogância e disse que, apesar de Pedro Nuno Santos ser também o seu principal adversário, Montenegro é parte de um sistema que o Chega quer combater. “O meu principal adversário é o PS, mas o adversário do sistema são os dois partidos que há 50 anos representam o mesmo sistema que nos tem inundado de corrupção, de tachos, bandidos à solta e descida de salários”, terminou Ventura.
O JA acompanhará todos os confrontos entre os partidos que têm, simultaneamente, maior representação parlamentar e peso local: AD – Aliança Democrática (PSD/CDS-PP/PPM), PS – Partido Socialista, Chega, BE – Bloco de Esquerda e CDU – Coligação Democrática Unitária (PCP/PEV). Os balanços, com verificação de factos e síntese de ideias discutidas, serão publicados na manhã seguinte ao debate.