A confiança da população de Angeja nas entidades que prestam socorro e no programa ‘Aldeias Seguras, Pessoas Seguras’ está abalada. A falta de água e Bombeiros quando o incêndio chegou foi tema central na última Assembleia de Freguesia.
A Assembleia de Freguesia de Angeja que decorreu no passado dia 30 de setembro ficou marcada pelas intervenções do público e membros eleitos sobre os incêndios que assolaram o concelho de Albergaria-a-Velha, particularmente o impacto nas localidades angejenses que sobreviveram sem água ou Bombeiros nos momentos mais críticos.
Os habitantes da Cova do Fontão, uma das quatro localidades do concelho inserida no ‘Aldeias Seguras, Pessoas Seguras’, estiveram presentes na sessão para relatar a impotência e abandono que sentiram. O programa foi criado a nível nacional em 2017, após os incêndios de Pedrógão, e visa equipar a população em zonas de acesso complicado para situações de catástrofe.
Na prática, os moradores devem ser guiados pelo ‘oficial de segurança’ – um habitante conhecedor do lugar e da confiança da comunidade – para os pontos indicados como seguros. Em complementaridade, o programa comtempla “ações de sensibilização destinadas a reduzir o número de ignições causadas por comportamentos de risco associados ao uso do fogo” e medidas de autoproteção; como apresentam no website oficial.
“A Cova é sempre esquecida por todos”
No Fontão, os pontos assinalados como seguros são a Escola e a Igreja. A antiga Escola Primária “que estava a ser restaurada para que a população e associações locais pudessem usufruir do espaço como zona de lazer e convívio” ardeu, disse-nos Hélder Brandão, presidente da Junta de Freguesia de Angeja, nos dias seguintes ao flagelo. O telhado recém-renovado ficou totalmente destruído.
Sara Vidal, membro da Assembleia de Freguesia eleito pelo CDS, afirma ser precisa “uma revisão” no programa ‘Aldeias Seguras’, propondo, por exemplo, que passe a incluir formação para utilização de bocas de incêndio. Hélder Brandão concorda que “têm de se retirar lições sobre o que falhou e que equipamentos faltam”, mas não descarta completamente a iniciativa.
“O outdoor do ‘Aldeias Seguras’ é uma ofensa. Se tivéssemos ido para os locais seguros, morríamos lá. A mangueira que nos deixaram para usar estava toda rota. O que nós precisamos é de motobombas. Temos água na ribeira, mas não temos meios para a utilizar”, relatou Carlos Cunha, morador do Fontão, na referida sessão.
João Oliveira, coordenador municipal da Proteção Civil esclareceu, em declarações ao JA, que a disponibilização de mangueiras não está prevista no programa. A Proteção Civil local achou “pertinente” dotar alguns pontos de equipamento e afirma terem sido decisivos em locais da freguesia como o Soito e o próprio Fontão.
Sobre os danos no material, João Oliveira disse serem comuns em mangueiras de lona que ficam dobradas, sem utilização e ao sol, quando se deparam com a forte pressão da água; um problema que se verifica igualmente, por exemplo, com alguns meios dos Bombeiros e bombas de incêndio em empresas.
“A Cova é sempre esquecida por todos. Nunca temos nada por parte dos Bombeiros ou Proteção Civil. Não precisamos que nos prometam ajuda, precisamos que cumpram; precisamos de meios para nos proteger. Se há cinco anos tivéssemos saído do local quando tudo ardia, já não teríamos casa. Há pinhais encostados às casas e ninguém faz nada”, desabafou Cristiana Rodrigues, moradora do Fontão.
João Oliveira afirma ter estado no Fontão na manhã de segunda-feira, dia 16, com a vereadora Sandra Almeida, “por volta das 8h, para perceber o que poderia ser feito”, já depois das horas mais críticas do fogo. O coordenador explica que “os Bombeiros estavam empenhados na parte nascente do incêndio” e lamenta ter sido “impossível estar em todo o lado ao mesmo tempo”.
Metade das mortes
O Jornal de Albergaria questionou, para a edição em papel de 19 de setembro, João Oliveira, sobre metade das mortes provocadas pelo incêndio no concelho terem decorrido em ‘Aldeias Seguras’ – Fontão e Vila Nova de Fusos. Á data, estava apenas confirmado o falecimento na freguesia de Angeja e a resposta foi:
“A vítima tentou proteger a sua habitação ao invés de sair, antecipadamente, como o oficial de segurança antecipou – sair calmamente para a Igreja e descansar. Alertámos, desde o início, para a importância de não tentarem combater os incêndios”, justificou, afirmando que a morte seria um caso isolado.
Em Assembleia de Freguesia foi dito que o oficial de segurança do Fontão estava, também ele, com a casa a arder. A necessidade de proteger a habitação impediu-o de guiar a população para o ponto seguro. João Oliveira explicou, ao JA, que a informação tinha sido avançada pelo próprio oficial de segurança pelas 7h da manhã de dia 16 de setembro, tendo ficado desatualizada com o deflagrar das chamas.
“O oficial é autónomo para coordenar a população e encaminhá-la para o local de abrigo. Não têm de estar à espera de ordens e não ganham nada para desemprenhar estas tarefas. Nós trabalhamos sempre na antecipação. Foi contactado e fez o trabalho dele. Os oficiais de segurança são civis normais, sem responsabilidade se algo correr mal. Cada pessoa tem de ter consciência para saber onde se dirigir”, acrescentou o coordenador.
João Oliveira explicou que a informação sobre os pontos de encontro seguros está espelhada no cartaz à entrada do Fontão e é divulgada, juntamente com os nomes dos oficiais de segurança, em formações junto da população e em panfletos informativos.
Ficam definidos pelo menos dois abrigos e dois oficiais no terreno, caso uma das opções falhe; como aconteceu. Com um oficial ocupado e a Escola a arder, João Oliveira assegura que o outro coordenador e a Igreja estavam disponíveis, sendo a Capela “o espaço mais amplo do lugar” que chegou a estar aberta para receber pessoas, detalhou.
“Temos sempre oportunidade para melhoria e a população é chamada a pronunciar-se. Os recursos financeiros são finitos, mas podemos fazer muita coisa; e é importante que a população se envolva e identifique oportunidades”, apelou o coordenador.