A mente de um criminoso

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Jornal de Albergaria - Vera Silva Santos
Vera Silva Santos

Praticamente todos os dias somos confrontados com situações de violência que entram pela nossa casa através dos meios de comunicação social ou, em alguns casos, ocorrem mesmo ao lado da nossa porta. Esta intensidade de acontecimentos, muitos deles com um grau muito elevado de intensidade, leva-nos a questionar o que se passará na mente humana ou nas vidas de cada um de nós para que tal aconteça.
Por outro lado, damos por nós a pensar o que irá na mente de alguém que comete atos considerados bárbaros, sem sentido, aparentemente sem justificação e na maioria das vezes sem qualquer indício do que possa vir a acontecer. Ouvimos a descrição dos acontecimentos e quando surgem episódios mais violentos somos confrontados com os vizinhos a dizerem que aquela pessoa era perfeitamente sociável, tinha uma imagem perfeitamente “normal”, nada indicava que algum dia fosse cometer um crime, no fundo, até parecia ser uma boa pessoa.
Mas, o que se passa dentro da mente de alguém que comete atos bárbaros? Como é que os podemos identificar? Obviamente que nenhuma destas perguntas tem uma resposta fácil, simples e concisa.
Segundo alguns autores a violência pode advir da nossa natureza animal. O instinto de sobrevivência leva a que algumas pessoas percam a noção do correto e entrem por caminhos que, por norma, terminam muito mal. Na verdade verificamos que existem pessoas doentes que cometem crimes, existem pessoas “normais” que cometem crimes e existem pessoas más que cometem crimes. À primeira vista termos consciência deste fato assusta-nos, contudo vamos começar pelo mais simples.
Vivemos em Sociedade. Isso significa que todos temos o dever de cumprir regras. Todos nós, em algum momento da nossa vida, já quebrámos algumas. Certamente foram coisas simples, mas sabemos o que é sentir a adrenalina de cometer aquilo que podemos chamar um pequeno deslize. Essa adrenalina é algo que tem um peso importante num criminoso porque na verdade, cometer um delito grave, matar alguém, violar, raptar, destruir um carro, etc., são situações onde o nível de adrenalina é extremamente elevado.
O Psiquiatra Adrian Raine foi um dos percursores e dos mais influentes estudiosos do comportamento violento, assim como tem tentado perceber como funciona a mente de um criminoso e analisado se existe forma de prevenir estas situações, criando uma área do saber chamada neurocriminologia, onde se acredita que as imagens cerebrais de cada um de nós (vistas através de uma Tomografia Computorizada, mais conhecida por TAC) podem mostrar se somos criminosos ou não. Uma área muito recente e que ainda precisa de ser convenientemente validada.
Segundo alguns estudos recentes verificamos que os criminosos apresentam dificuldades em estabelecer empatia e na maioria das vezes não sentem remorsos. A empatia é aquilo que nos leva a ter respeito, cuidado e proteção perante aqueles que nos rodeiam. Faltando a empatia deixa de existir o sentimento de culpa. Não será por acaso que muitos psicopatas, violadores e afins, quando presentes a um Juiz não se mostram arrependidos pelo que fizeram. Na realidade, na mente deles, o que fizeram foi única e simplesmente o que acharam que deviam fazer e certamente ainda conseguem ter um conjunto de justificações para dar (foi a esposa que o provocou, que o traiu, foi a criança que “se fez a ele”, foi o amigo que o exaltou e ele reagiu para o colocar na ordem, etc.).
Ao longo do nosso crescimento, desde crianças que somos educados na base da moral, ou seja, aprendemos a ter perceção do que é correto ou incorreto, do que magoa ou faz mal aos outros. Existe a nível cerebral uma zona chamada amígdala que é o centro emocional do cérebro. Alguns estudos indicam que esta zona tem um tamanho menor no cérebro de um criminoso, mas não é suficiente para fazermos uma TAC e indicar que determinada pessoa é criminosa só por este fato.
Se pensarmos em pequenos delitos, muitos deles cometidos na adolescência, verificamos que a maior parte destes pré-jovens dizem que nada lhes vai acontecer, por isso podem destruir e riscar carros, entre outras coisas. Este é o sentimento de impunidade que existe na mente de um criminoso. Para além de não ter a perceção moral, ainda considera que os seus atos não vão ter repercussões. E mesmo quando são presos alguns vão plenamente tranquilos porque o que fizeram foi para o bem da Sociedade ou foi porque realmente alguém mereceu.
Estamos a refletir sobre pessoas que pensam de uma determinada forma mas a nível social mostram um comportamento perfeitamente aceitável. Mas, sejamos sinceros, nem sempre conseguem enganar todas as pessoas. Por vezes deixam pontas soltas, por vezes o seu discurso e a sua forma de estar tão politicamente correta leva-nos a suspeitar, porque, pensando bem, nenhum de nós é assim tão politicamente correto. Somos seres humanos, fazemos “asneiras”, mas sabemos reconhecer os erros e pedir desculpas e conseguimos parar quando estamos a atingir limites. Os criminosos não param. Muitas vezes o próprio pensamento bloqueia. Acham que podem tudo e que nada lhes vai acontecer e raramente se arrependem.
São pessoas que agem a frio, premeditam, não controlam impulsos, são aquilo que chamamos de “stalkers” (aqueles que observam tudo e mais alguma coisa), sabem o que estão a fazer e têm justificações válidas para eles próprios de forma a convencerem (a eles e aos outros) os motivos que levaram a determinado ato.
Em termos de predição, para além da parte cognitiva e cerebral que está a começar a ser estudada, existem alguns fatores que vêm aumentar a probabilidade de cometer atos ilícitos: o desemprego, a pobreza, o preconceito racial, as más condições de habitação, educação e emocionais na infância, uma doença crónica, consumo de álcool ou estupefacientes, etc. Contudo, não considero que estes fatores sejam justificação plausível para que um criminoso não pague pelo que fez. E aqui entramos no campo da inimputabilidade que tanto ouvimos falar em determinados casos. Sejamos sinceros, independentemente de um criminoso ter uma patologia mental, ele deve cumprir pena justa pelo que fez. Obviamente que deve também ser acompanhado a nível psiquiátrico e psicológico, mas não podemos apenas dizer que por ter uma doença mental deve ser simplesmente perdoado.
A violência, na maioria das vezes, começa por pequenos delitos e vai evoluindo. Por exemplo, um agressor antes de matar a mulher já exerceu sobre ela violência psicológica e física. Mas existe o medo de denunciar. O medo de que ao fazer queixa o comportamento do agressor piore. Como costumo dizer: este é um tema que “dá pano para mangas”.
A mente de um criminoso é algo fascinante para quem se debruça sobre esta área do saber, mas muito difícil de definir. Existem inúmeros fatores que influenciam e nenhum pode ser descurado. Cada caso é um caso e deve ser avaliado como único, mas, sejamos sinceros, a “mão pesada da Justiça” poderá ter um papel fundamental na prevalência de muitas situações a que assistimos diariamente.