IA na Educação: Incluir, ignorar ou banir?

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Mais de 200 professores ouviram João Lourenço Marques da Universidade de Aveiro partilhar ideias sobre desafios e potencialidades da Inteligência Artificial na sala de aula. Para o académico, a IA não é “pateta”, nem vai acabar com a inteligência humana. Na Educação e em todo o lado, recomenda sentido crítico e saber fazer perguntas.

‘Não há longe, nem distância’ foi mote para a ação formativa inserida na I Semana da Educação, organizada pelo Município de Albergaria-a-Velha, focada na interação entre Inteligência Artificial (IA) e Inteligência Real no contexto educativo, que decorreu esta manhã, no Cineteatro Alba.

A sessão, dinamizada pelo Centro de Formação da Associação de Escolas dos concelhos de Aveiro e Albergaria, juntou 250 docentes para ouvir o professor João Lourenço Marques da Universidade de Aveiro sobre os riscos e potencialidades da AI nas salas de aula. Catarina Mendes, vereadora da Educação; e Mário Branco, presidente da Assembleia Municipal, juntamente com representantes do Centro, deram as boas-vindas à plateia e frisam a importância destas ações na formação do futuro, que sempre começa na escola.

A formação segue durante todo o dia, com um passeio pela Biblioteca Municipal e Arquivo do concelho; bem como uma série de sessões parcelares na Escola Secundária de Albergaria nas quais os professores se juntam em grupos para debater e organizar ideias sobre temas como o multiculturalismo, internacionalização das escolas, autonomia curricular, IA, gestão emocional e inclusão.

Muitas ‘Inteligências’

“Definir a IA é muito fácil, basta definir Inteligência. A IA agrega toda a informação disponível no mundo web e responde-nos com base nisso – o importante é saber o que perguntar e como questionar, que são peças centrais daquilo que é considerado inteligência humana”, lançou o palestrante.

Lourenço Marques seguiu com uma viagem pelo conceito de Inteligência, com momentos de cruzamento com a IA e outros de distanciamento, dependendo dos tempos e autores considerados. Se formos à boleia de Isaiah Berlin (1996) com a definição baseada na “capacidade de integrar um conjunto de dados em constante mudança e vindos de múltiplas fontes”, a IA e a Inteligência Real unem-se quase na perfeição.

Por outro lado, as ‘inteligências’ começam a afastar-se quando considerados autores como Louis Leon Thurstone que centrou capacidades como compreensão e fluência verbais, memória associativa e raciocínio indutivo para definir Inteligência; ou as ‘Inteligências Múltiplas’ (1993) de Howard Gardner que acrescem elementos à mistura como a interação social, autoconhecimento ou sensibilidade musical.

O português que corrigiu Descartes foi igualmente citado como presumível defensor de que muito há a separar o homem da máquina, lembrando a sobrevalorização da razão no que foi considerado inteligência durante um período significativo. Os ‘marcadores somáticos’ de António Damásio – resposta a estímulos que resultam da acumulação de experiência vivida – são essências para essa distinção, por muito que a IA aprenda, defendeu o palestrante.

“A Inteligência Humana é intrínseca e diversa; a IA é programada e especializada”, sintetizou, argumentando que, por isso mesmo, não deve ser desvalorizada como “pateta” nem colocada num pedestal para alimentar narrativas de substituição total das pessoas. Para reforçar este último ponto, Lourenço Marques lembra que a IA, apesar da aparente novidade, está presente em muitas ferramentas de uso comum; como assistentes virtuais (Siri, Alexa, Google Assistant) ou recomendações geradas por algoritmos como filmes na Netflix ou músicas no Spotify.

IA na sala

Ao definir IA como a “capacidade dos computadores para realizar tarefas que normalmente requerem inteligência humana”, o professor coloca no centro da questão que ‘tarefas’ deve ser estas e não se a ferramenta deve ou não ser usada.

Na sua ótica, seja na Educação ou em qualquer outra matéria, quem tentar proibir a IA vai falhar. Como exemplo, oferece os programas criados para detetar o uso do ChatGPT e semelhantes em trabalhos escolares, que aponta como facilmente sabotáveis “com a mudança de alguns pontos finais para vírgulas e do acrescento de algumas entropias”.

Do Ensino Básico à Universidade, para o investigador, as potencialidades e desafios da IA são os mesmos. Como riscos, Lourenço Marques apontou questões como o crescimento do plágio, reprodução de ideias como factos objetivos, ausência de fontes citadas e o risco de “aprender sem entender”.

Por outro lado, para além da rapidez de resposta que pode deixar tempo para desenvolvimento de novas ideias e mais momentos de interação social, o académico falou da potencialidade da IA como ferramenta de aprendizagem personalizada, “quase como um assistente pessoal 24h para cada aluno”. Como exemplo deu um sistema de testes online que recomenda leituras adicionais e tópicos de revisão de acordo com as respostas erradas dadas pelo estudante.

Os cuidados a ter também não variam de ano para ano. A atenção ao viés das respostas oferecidas pelos sistemas de IA foram a principal preocupação apontada pelo palestrante, agravada pela falta de sentido crítico que nota em alguns alunos e docentes que os utilizam. Sendo estas ferramentas alimentadas por informação produzida por humanos, é expectável que reproduzam os maus-hábitos e preconceitos impressos na sociedade, alerta Lourenço Marques.

“No fundo, há três tipos de problemas: simples, complicados e complexos – o primeiro é como fazer um bolo, basta seguir a receita; o segundo pode ser como colocar um satélite em órbitra, há uma receita mas pode falhar; e para o último temos como exemplo criar um filho – podemos ler muitos livros e nunca saber muito bem. À medida que avançamos nesta escala, cada vez mais útil se torna a inteligência humana”, terminou.