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No quarto dia de mundial, a Caderneta de Cromos viu mais uma equipa asiática a surpreender o mundo, uma goleada para a história, e um resultado inglório. Este campeonato do mundo não tem perdoado a quem só pensa no último jogo.
Deitar cedo e cedo erguer, dá saúde… mas não faz vencer
O primeiro jogo do quarto dia de mundial trouxe-nos um Marrocos – Croácia. De um lado, uma equipa em crescimento, que já tinha causado alguma surpresa no Mundial da Rússia contra Portugal e Espanha na fase de grupos. Do outro, a seleção vice-campeã do Mundo. Previa-se um bom jogo entre estas seleções, atribuindo o favoritismo à formação croata.
Cedo, pelo menos na hora portuguesa, a partida começou às 10h e terminou cerca de duas horas depois… da mesma forma. Um nulo a abrir as contas do grupo F, um resultado que acaba por não ser mau para as aspirações marroquinas, que enfrentaram uma das equipas mais fortes do grupo, mas negativo para a Croácia que terá ainda um embate complicado contra a Bélgica.
Apesar de não haver golos, nem por isso o jogo deixou de ser interessante, pelo menos do ponto de vista tático, visto que de oportunidades também essas foram escassas. Modric tentou assumir as rédeas dos croatas, enquanto era bem marcado pela oposição. Do outro lado, Ziyech não foi tão preponderante como costuma ser no Chelsea. Jogou-se muito a meio-campo, Marrocos rompeu mais pelo lado direito com Hakimi, a Croácia pelo lado esquerdo com Perisic. Livakovic ainda apanhou um susto num livre direto de Hakimi, mas segurou a baliza croata a zeros, tal como Bono, do outro lado.

Alemães de boca tapada, e nipónicos de mãos largas
Um dia depois da chocante vitória da Arábia Saudita frente à Argentina, hoje foi a vez da Alemanha cair aos pés do Japão.
Ainda antes do início do jogo, os alemães protagonizaram uma das imagens deste campeonato do mundo. A seleção germânica era uma das que iria utilizar a braçadeira arco-íris, algo que a FIFA proibiu momentos antes da competição iniciar. Para Manuel Neuer, capitão de equipa, não ficar prejudicado logo no início do encontro, os jogadores arranjaram outra forma de protestar contra a organização. Além de levarem o caso da braçadeira ao tribunal do desporto, a seleção germânica juntou-se para a fotografia de jogo com as mãos a tapar a boca. Nas redes sociais, a seleção alemã justificou o ato: “Queríamos usar a braçadeira de capitão para tomar uma posição sobre os valores que defendemos enquanto seleção nacional alemã: diversidade e respeito mútuo. Juntamente com outras nações, queríamos que a nossa voz fosse ouvida. Não era sobre tomar uma posição política – direitos humanos não são negociáveis. Isso devia ser tomado como garantido, mas ainda não é o caso. Por isso é que esta mensagem é tão importante para nós. Negarem-nos a braçadeira é o mesmo que negarem-nos a voz. Nós mantemos a nossa posição”.
Quanto ao jogo, esse foi praticamente de sentido único na primeira parte. A Alemanha assumiu o controlo e o domínio do terreno, como seria de esperar, e a formação nipónica atrevia-se no contra-ataque no lado direito através de Hito. À passagem da meia hora Gündogan fez o primeiro da partida, através da marca de grande penalidade. Mesmo em cima do intervalo, Havertz colocou a bola dentro da baliza japonesa, mas foi anulado por fora de jogo do avançado do Chelsea.
Na segunda parte tudo mudou. O selecionador japonês colocou Tomiyasu no eixo da defesa para suster a avalanche ofensiva que a máquina alemã operava. Gonda encarnou Benji Price (famoso guarda-redes do anime Oliver e Benji) e defendeu praticamente tudo o que lhe apareceu à frente. Depois de entrarem Doan e Minamino, o Japão operou a reviravolta em 15 minutos. O primeiro, Neuer ainda defendeu, como havia feito pouco antes, mas desta vez a bola sobrou para Doan que empatou a partida. O segundo, numa abordagem totalmente inofensiva e passiva por parte da Alemanha. Um livre batido pelo guarda-redes nipónico perto da sua área, a bola caiu redondinha para Asano que só teve de correr e fuzilar a baliza adversária e protagonizar o segundo grande choque deste mundial.

Que Rica Espanha
O terceiro jogo do dia não surpreendeu no vencedor, mas um pouco no resultado. A Espanha, em renovação com Luís Henrique, aplicou sete, sim sete, golos à Costa Rica. Deverá ser o resultado mais avolumado do mundial, ainda que só estejamos na primeira fase.
A história do jogo foi mesmo só essa. A Costa Rica demonstra ser, talvez a par do Qatar, a equipa mais frágil deste campeonato do mundo e a Espanha, com várias estrelas em ascensão, aproveitou para começar com o pé direito e marcar posição, uma vez que a Alemanha, próxima adversária dos espanhóis, perdeu frente ao Japão.
Foi um autêntico vendaval, Dani Olmo começou a contagem, logo aos 11 minutos, Marco Asensio ampliou pouco depois e Ferran Torres fechou em 3-0 ao intervalo. Reatada a segunda parte e foi troca o disco e toca o mesmo: Ferran Torres bisou aos 54’, ele que dedicou os dois golos à sua namorada, que curiosamente é filha do selecionador Luís Henrique. Mesmo depois de acalmar o ritmo, com 4-0 no marcador e o jogo completamente resolvido, a Espanha ainda iria fazer mais três golos, aproveitando para dar lugar e tempo a alguns dos mais novos. Gavi tornou-se o espanhol mais novo de sempre a marcar em mundiais, com apenas 18 anos, Carlos Soler e Morata fecharam a contagem em dois minutos.
Surpreendente e algo que já se tornou um hábito neste mundial foi o tempo de compensação. Um jogo com muito poucas faltas e paragens, os árbitros deram cinco minutos na primeira parte mais oito na segunda. Um fenómeno que tem vindo a acontecer nesta competição, onde já assistimos a compensações de 10 e 15 minutos, o que tem dividido opiniões: se combate o anti-jogo ao repor todos os segundos perdidos em reposições de bola, também alarga em demasia o tempo de jogo, o que se torna aborrecido e cansativo de ver.

Regresso amargo, mas com bons augúrios
O último jogo do dia opunha Bélgica, favorita do grupo F e uma das candidatas ao troféu, e o Canadá, regressado 36 anos depois ao maior palco de futebol do mundo. A segunda presença canadiana não começou nada mal. Frente a uma equipa forte, tática, física e tecnicamente, os norte-americanos deram ares de sua graça e tentaram surpreender como outras já o haviam conseguido. Alphonso Davies, estrela maior da companhia canadiana desperdiçou uma grande penalidade ao efetuar um passe ao guardião belga, Courtois, que agradeceu a oferenda.
O golo da Bélgica surgiria através de uma jogada rápida, com Batshuayi a finalizar perto do intervalo. O Canadá não desistiu e lutou até ao fim, deixando tudo em campo e protagonizando uma exibição bastante positiva, mesmo que o resultado não fosse o mais “justo” se assim se pode chamar.

Era uma vez… o Mundial | Maracanazo e outras histórias
Doze anos foi o tempo que separou 1938 e 1950. Foi também esse o período de espera entre dois mundiais de futebol. A guerra destruiu quase toda a europa e não havia sequer disposição para disputar a competição. Não fosse a predisposição do Brasil em realizar a ‘Copa’, o mundial também não se teria disputado nesse ano.
Depois da proibição atribuída à Alemanha e Japão, impedindo-os de participar, a URSS e vários países do Bloco de Leste recusaram a presença. Peru, Equador, Argentina, Turquia, Escócia e Índia também recusaram o mundial e este só contou com 13 países: Brasil, Uruguai, Suécia, Espanha, Bolívia, Itália, Paraguai, Estados Unidos da América, Chile, Inglaterra, México, Suíça e Jugoslávia.
Este mundial foi diferente, na medida em que para agradar as seleções europeias, que tinham gasto um montante elevado de dinheiro para se deslocarem até ao continente sul-americano e para que esse gasto não fosse em vão (por eliminatórias bastava perder um jogo para fazer viagem de regresso), as 13 seleções foram divididas em quatro grupos: dois com quatro equipas, um com três e outro com duas. Passava uma equipa de cada grupo, onde se disputava em formato pontual o troféu de campeão do mundo. Após a primeira fase, passaram à fase final: Uruguai, Brasil, Suécia e Espanha. Depois de duas goleadas do Brasil, 7-1 à Suécia e 6-1 à Espanha, bastava um empate frente ao Uruguai, que precisava de vencer (empatou 2-2 com a Espanha e venceu 3-2 a Suécia) para se sagrar campeão do mundo.
Eis que o impensável aconteceu. No mítico Maracanã, estádio construído para ser o estandarte deste campeonato do mundo, estavam 173.850 adeptos, pelo menos oficiosamente, há crónicas que falam em mais de 200 mil nas bancadas, à espera do Brasil campeão. A imprensa já preparava as manchetes, havia festejos prontos mal terminasse o encontro. O Brasil adiantou-se no marcador aos 47 minutos, Shciaffino empatava aos 66’, mas o empate servia aos brasileiros. O minuto 79’ é considerado “a Hiroshima” do Brasil. Ghiggia teve o descaramento de marcar o 2-1 para o Uruguai e tirava assim o mundial ao Brasil. O silêncio era assustador, de acordo com várias crónicas daquele acontecimento. Ficaria para a história como o Maracanazo.
Barbosa, guarda-redes do Brasil naquela final, foi perseguido e vilipendiado durante mais de 45 anos, considerado o culpado da derrota e do estrondoso escândalo que se sucedera naquela tarde.

A primeira vez de Inglaterra
Este foi também o primeiro mundial de Inglaterra. O país tinha recusado fazer parte da FIFA desde 1926 e falhara todos os mundiais até 1950, por considerar a competição fraca. Porém, em 1946 afiliaram-se à organização do futebol e chegaram a tempo do Brasil’50. O estatuto e a expectativa eram enormes, como é habitual naquela nação. A Inglaterra chegava ao Brasil com 23 vitórias nos últimos 30 jogos realizados. Depois de começar com o pé direito, ao derrotar o Chile por 2-0, a Inglaterra defrontava uma equipa composta por jogadores amadores dos Estados Unidos. O escândalo foi enorme quando Joe Gaetjens, um mero estudante de contabilidade, fez o golo que derrotou a seleção dos três leões. Conta-se que quando foi enviado o resultado para Inglaterra, as redações acharam que se tratava de um erro tipográfico e que em vez de se ler 1-0 devia ler-se 1-10. Não seria a única derrota da equipa inglesa naquele mundial, já que perdeu o último jogo com a Espanha e voltou com o orgulho ferido para casa.
A seleção que não participou… por querer jogar descalça
A Índia era outra das equipas que não seguiu viagem para o Brasil. Entre várias razões, há um, no mínimo, caricata. Era tradição do país que os jogadores jogassem descalços, algo que lhes foi negado à partida para disputarem o mundial. Note-se que a seleção indiana participou nos Jogos Olímpicos de 1948 e jogou com os pés descalços.
A equipa órfã do Grande Torino
A Itália, bi-campeã em título, esteve para não participar no mundial do Brasil. A super seleção tinha sofrido uma verdadeira tragédia um ano antes daquela competição. A 4 de maio de 1949, depois de um jogo de homenagem a Francisco Ferreira, na Luz, entre o Benfica e o Torino, o avião que transportava a equipa transalpina despenhou-se. Na tragédia morreram 31 pessoas, entre elas 18 jogadores. O Torino, era naquela altura, a grande equipa italiana e a espinha dorsal da seleção. Traumatizados pelo acontecimento, a seleção optou por viajar de barco até à América do Sul. A participação italiana foi muito discreta, visto que nem passou a primeira fase, perdendo para a Suécia logo no jogo inaugural e nem a vitória frente ao Paraguai serviu para passar.