Esperanças, receios e vontades para a construção de uma nova Floresta

0
120

A certeza de que as árvores nativas são a melhor solução para uma floresta resiliente e as suspeitas sobre a Lei Europeia de Restauro da Natureza – que parece demasiado boa para ser concretizável – centraram a mais recente edição do BioFÓRUM, conferência organizada pela Associação BioLiving.

A mesa-redonda dedicada à discussão ‘Da teoria à prática: Implicações da Lei Europeia de Restauro da Natureza em Portugal’ encerrou o primeiro dia da 8ª edição da Conferência BioFÓRUM, dedicada ao documento legal recentemente aprovado na União Europeia. O instrumento visa estabelecer as primeiras metas vinculativas em matéria de restauro dos ecossistemas, habitats e espécies, e conta com ambiciosos objetivos como o restauro de 30% dos habitats terrestres, costeiros, marinhos e de água doce em toda a UE.

“Quando, em 2006, comecei a falar ao meu avô sobre conservação florestal – e não de produção – ele queria-me bater. Mas, como 86 anos, ele percebeu que o futuro produtivo da floresta não pode ser outro. Não entendo o porquê de tanta gente ainda não ter compreendido isso”, começou António Loureiro, presidente da Câmara Municipal de Albergaria, a abrir o debate, em resposta à problemática da eucaliptização do país e concelho como resposta ao abandono de terras.

A questão foi lançada por Milene Matos, presidente da Associação BioLiving, que assumiu o papel de moderadora da conversa. A coletividade tem trabalhado junto do Município para aumentar as áreas de floresta autóctone no concelho e a presidente lembrou que a Câmara quer reflorestar 12% da área ardida de eucaliptal com árvores nativas. Milene Matos assegura que a preocupação com o aumento da floresta autóctone no concelho não surgiu apenas com o incêndio que assolou o concelho em meados de setembro, um dos piores de que há registo.

“É preciso que saia do papel”

A nível da fauna, Olga Ameixa, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, elogiou a Lei do Restauro por não ter deixado de fora a importância dos polinizadores, por incluir medidas para aumentar as populações de abelhas e borboletas dos prados.

“A União Europeia tem feito um esforço muito grande para mostrar a importância destes elementos na natureza, atribuindo um valor monetário a este serviço dos ecossistemas”, afirma, reconhecendo que, ainda assim, é complicado passar a mensagem à sociedade civil e alguns agricultores.

Pedro Gomes, da Milvoz – Associação de Proteção e Conservação da Natureza, receia que, “apesar de a Lei estar bem feita, não existam incentivos para que possa ser cumprida” e que tal contribua ainda mais para o distanciamento dos trabalhadores do primeiro setor em relação a este tipo de medidas.

Neste sentido, Milene Matos trouxe ao debate a importância de desmistificar a associação entre restauração florestal e imposição aos proprietários para que abandonem os terrenos. “Não se pode olhar para os habitats naturais como empecilhos que não dão dinheiro. Quem pensa assim, desconhece completamente a riqueza da floresta nativa. O restauro não pode ser visto como inimigo, mas sim como a melhor solução para a proteção das florestas”, assegurou, respondendo aos receios dos proprietários.

Sobre a incompreensão da lei, Rosa Pinho incentivou a uma leitura mais atenta da Lei e esclareceu que o documento diz textualmente que a agricultura extensiva será apoiada para que não seja abandonada, que existirão travões à própria Lei para assegurar o desenvolvimento do setor agrícola e que serão redirecionados fundos para a criação de emprego verde. “Que venha dinheiro para realmente, finalmente, se fazer alguma coisa séria. É preciso que saia do papel e exista acompanhamento destas medidas”, apelou.

Força do local

A resiliência das florestas autóctones perante o deflagrar das chamas foi igualmente tema. Milene Matos deu como exemplo o incêndio de 2022, que lavrava há 8km desde Oliveira de Azeméis e parou ao chegar à pequena floresta autóctone da Bioliving, composta por mais de 30 espécies nativas.

António Loureiro lembrou a importância de soluções intermunicipais e nacionais para a floresta, sendo que, o incêndio deste ano, como tantos outros, não começou em Albergaria. “Devemos explicar que áreas contínuas de plantação, seja de que espécie for, não são rentáveis. Quem quiser viver só do eucalipto não vai sobreviver. A natureza acaba por corrigir esses erros”, alertou o edil.

Apesar de reconhecida a importância da reflorestação de áreas queimadas, os oradores alertaram que os 3 mil milhões de árvores a plantar na União Europeia correm o risco de resultar numa “fúria pela plantação” e destruir zonas que não precisam de mais árvores, que sejam plantadas árvores em habitats incompatíveis ou que se assista à destruição de linhas de águas para plantações desnecessárias, como explicou Milene Matos.

Falta dinheiro

Olga Ameixa lembrou que, bem ou mal feita, nenhuma ação de reflorestação ou trabalho na natureza se faz sem dinheiro. “Apesar de muitas associações fazerem este trabalho probono, ele tem custos”, reforçou, lamentando a falta de investimento na área e ausência de bolsas académicas dedicadas à investigação de atividades como a taxonomia – campo da biologia que define grupos de organismos biológicos com base em características comuns e os organiza de acordo.

Sobre financiamento, António Loureiro identificou o mesmo problema em relação a organismos do Estado Central e à resposta que oferecem a pedidos de ajuda das autarquias. O presidente deixou fortes críticas ao ICNF. “São os maiores inimigos da floresta, não entendem a floresta. Nós pedimos 2.4 milhões de euros para alterar este paradigma, numa solução que envolve a sociedade e o associativismo, e foi-nos feito uma conta proposta de 250 mil euros”, lamentou.

Num outro exemplo, comparou um investimento da APA feito no Município de 250 mil euros para a restauração de linhas de água, do qual sobraram 50 mil, um valor redirecionado para um concurso com o ICNF. A empreitada da APA está finalizada e a do ICNF ainda não começou.

Mileno Matos, fora da frieza dos números e complexidade das análises, deixa uma proposta. “Falámos o dia inteiro de coisas técnicas e queria pedir-vos um pouco de introspeção. Pensem em qual foi um dos momentos mais bonitos das vossas vidas. Quase sempre, esses cenários têm a natureza como pano de fundo. Pensem no valor que isso tem e tentem passá-lo aos outros”, despede-se.

Investir com propósito

A iniciar a parte da tarde do BioFÓRUM, Paulo Pereira da NBI – Natural Business Intelligence, apresentou a conversa ‘Economia de Base Natural: Financiamentos e a Lei do Restauro da Natureza’. O palestrante colocou o foco nas oportunidades que existem na natureza para realmente fazer negócio, não só como uma opção, mas como necessidade.

“A economia começa sempre a ressentir-se quando a natureza não está bem. Temos de parar de achar que estamos a dar esmolas à natureza e começar a incluí-la no PIB dos países como central para a atividade económica”, defendeu.

Para tal, usou a entidade que representa como exemplo a seguir em ações de reflorestação junto dos diferentes setores da atividade, com base na floresta e outras áreas económicas presentes na natureza.

O trabalho de análise inclui “uma avaliação que seja entregue de forma rápida e barata, que seja boa e informativa, mas rápida”, um relatório que não se limite a ser “uma lista de espécies identificadas”, mas que inclua, junto de cada uma, indicações sobre como agir e quais as consequências/vantagens de investir nas mesmas.

Para além disso, esta análise deve incluir soluções de base natural, ou seja, usar a própria natureza como solução mais barata e sustentável – por exemplo, restaurar um talude com sementeiras locais ou trabalhar a relva no centro das cidades com espécies nativas, para que se elimine ou reduza significativamente a necessidade de rega.

Confiar na terra

A Paulo Pereira seguiu-se Udo Schwarzer com o ‘caso de estudo: Reconversão de um eucaliptal em floresta autóctone’ feito em cinco hectares localizados no flanco noroeste da Serra de Monchique, em Aljezur. O projeto começou em 1996 com o propósito de reflorestar sem qualquer tipo de plantação – isto é, retirar o eucalipto, controlar as invasoras e dar condições à flora local ali ‘escondida’ para crescer.

Foram descobertas 32 espécies escondidas no meio dos hectares. A floresta que cresceu graças ao natural desenvolvimento das espécies, permite hoje a exploração de recursos como a cortiça e cogumelos. Em 2018, identificavam-se já 290 espécies. A fauna seguiu a flora e começaram a aparecer raposas e víboras típicas da zona. O espaço continua a necessitar do corte de rebentos de eucalipto e corte de pinheiros-bravos e acácias.

O biólogo alemão, a viver e a trabalhar em Portugal há mais de 30 anos, fez notar que este plano tem potencialidade para ser replicado em diferentes cenários, contextos e dimensões de área a restaurar.

Da parte da manhã, com arranque pelas 9h, falou-se do restauro da natureza com Anabela Simões do ICNF, IP/Direção Regional da Conservação da Natureza e Florestas do Centro; reabilitação de rios e ribeiras com Pedro Teiga; ervas daninhas como ferramentas para restauro de ecossistemas com José Pedro Coelho e falou-se do ‘carbono ao restauro das paisagens’ com um caso de estudo apresentado por Guilherme Castro da Royal Holloway University of London.

O impacto da aplicação da Lei Europeia na gestão florestal nacional ficou a cargo de Pedro Ramos da ANEFA – Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente e João Gonçalo Soutinho da VERDE – Associação para a Conservação Integrada da Natureza trouxe a palco a integração da conservação da natureza nas florestas portuguesa, com a proposta ‘vamos começar pelas árvores?’.

O BioFórum segue hoje, domingo, dia 20, com duas visitas de campo a reservas naturais da BioLiving; uma em Aveiro e outra a Estarreja. As inscrições esgotaram no início da presente semana.