Parecer dá razão a casal que perdeu bebé por alegada negligência

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Quatro anos depois, Ana Beatriz e Tiago Santos recebem um parecer do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses que dá força às suspeitas do casal de Valmaior. O documento afirma que os acusados violaram a legis artis e que a gravidez de Ana Beatriz deveria ter sido considerada de “alto risco obstétrico”.

Ana Beatriz continua convicta de que o acompanhamento da sua gravidez não foi apropriado, sobretudo, após entrada nas Urgências do Hospital de Aveiro, momentos antes do parto. A mãe da bebé que se chamaria Íris, que perdeu a 23 de março de 2019, apresentou queixa por negligência médica nesse mesmo ano, quando falou pela primeira vez com o Jornal de Albergaria.

Passados quatro anos, a lesada, juntamente com o pai de Íris, Tiago Santos, recebe um parecer do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) que dá força às suspeitas do casal. “O parecer é fundamental, por isso é que nós o pedimos quando o processo foi, pela primeira vez, arquivado. A perícia médica é essencial num caso de negligência médica e é um parecer conclusivo”, garante a advogada de Ana Beatriz, Susana Marques.

O documento conclui que os acusados violaram a legis artis – latim para “de acordo com as regras da arte”, que, no contexto médico, se carateriza pelo cumprimento do “conjunto de regras científicas e técnicas e princípios profissionais que o médico tem a obrigação de conhecer e utilizar tendo em conta o estado da ciência e o estado concreto do doente”, como define o Tribunal da Relação de Lisboa.

O parecer confirma igualmente que a gravidez deveria ter sido considerada de “alto risco obstétrico” e acompanhada como tal, com “vigilância (…) mais apertada, no que respeita ao número de consultas, exames auxiliares de diagnóstico, acrescendo de outros exames auxiliares”, pelos antecedentes da grávida de tromboflebite, depressão e banda gástrica vertical, elementos que requeriam “vigilância obstetrícia pré-natal hospitalar, incluindo apoio nutricional e psicológico específicos”.

Ana Beatriz informa ter tido apenas duas consultas de acompanhamento durante a gravidez de sete meses, ao longo dos quais realizou duas ecografias, fora as seis idas à Urgência, de forma voluntária e por outros motivos, como confirma o relatório.

Linha do tempo

Na primeira ida à urgência, em outubro de 2018, no Serviço de Urgência de Genecologia do Centro Hospitalar do Baixo Vouga de Aveiro, Ana Beatriz foi enviada para casa com a recomendação: “aconselhado certificado de incapacidade temporária de gravidez de risco”, indicação do próprio Hospital de Aveiro que a advogada Susana Marques diz ter sido ignorada em consultas seguintes.

Ana Beatriz deixa de sentir movimentos fetais a 20 de março de 2019. A mãe, depois de contactar o SNS24 que recomenda atenção médica caso o sintoma se prolongue, dirige-se às Urgências do Hospital de Aveiro, onde foi recebida com uma pulseira laranja, um exame de cardiotocografia (CGT), para análise geral do estado de saúde do feto, e uma ecografia onde detetaram pouco líquido a envolver o embrião (líquido amniótico). Segundo o parecer da INMLCF, este quadro não favorável deveria ter sido acompanhado por uma “indução de maturação pulmonar fetal”, “vigilância fetal apertada” e identificação das causas para pronta reversão.

“Iam-me mandar embora quando os batimentos da minha bebé baixaram de repente”, contava Ana Beatriz, ao JA, em 2019. Ainda em Aveiro, junto à entrada de dia 23/3/2019, às 22h58, estava prescrita a “1ª toma de dexametasona para maturação pulmonar fetal”, que, segundo o parecer, deveria ter sido administrada no primeiro dia de internamento, logo após o primeiro quadro geral suspeito. A mãe foi transferida para Coimbra com indicação de quadro geral “não tranquilizador”, e informada de que o feto se encontrava “com uma grande restrição de crescimento” e “em sofrimento crónico”, onde acabaria por falecer.

O próximo passo do processo será o julgamento dos elementos acusados do Hospital de Aveiro. “O que nós queremos provar e o que me parece que aconteceu é que o bebé era saudável e esteve sempre bem e com crescimento adequado para as semanas que tinha. Houve uma perda de líquido amniótico que deveria ter sido acompanhada devidamente. Foi esse o sinal fundamental para perceber que as coisas tinham de ser aceleradas. Se o bebé tivesse sido retirado mais cedo, teria sobrevivido”, defende a advogada.

O Hospital de Aveiro, em reposta ao JA, afirma que “não tem conhecimento de elementos que se encontram no inquérito a decorrer, nem sequer tem conhecimento de ter sido proferida qualquer acusação contra algum dos seus profissionais”, pelo que “o CHBV entende não ser adequado pronunciar-se” e aguardar “o desenrolar do processo judicial”.