Paulo Raimundo (CDU) e Luís Montenegro (AD) falaram da troika e da geringonça, numa troca de acusações pelo atual estado do país, para o qual apresentam projetos assumidamente antagónicos.
Luís Montenegro, líder do PSD, apesar dos enunciados compromissos de agenda, esteve em representação da Aliança Democrática (AD) frente a Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP, a falar em nome da CDU. O frente a frente começou no futuro, com o jornalista João Adelino Faria, moderador da noite, a questionar os partidos sobre soluções governativas pós-eleições.
No cenário em que a AD ganha com minoria relativa e sem o Chega, a CDU não viabiliza. “É uma evidência, seria uma hipocrisia criar essa expectativa. Nós temos objetivos políticos e programáticos opostos”, disse Paulo Raimundo. Em relação a um governo do PS, a porta ficou ligeiramente aberta.
“Não é por falta da CDU, não é por falta do PCP que há instabilidade governativa. Temos uma história e uma prática que demonstra isso. Não deixaremos de apoiar tudo o que seja positivo. Temo perdido demasiado tempo com problema da forma e menos com o conteúdo [das alianças partidárias]: é para aumentar os salários? É para resolver o problema da Habitação? É para dar resposta ao SNS? É para acabar com a injustiça fiscal? A nossa resposta depende do conteúdo das propostas e de como afetam o dia-a-dia das pessoas”, detalhou Raimundo.
Montenegro afirma que será primeiro-ministro dos portugueses em qualquer cenário de maioria – seja relativa ou absoluta. “Não seria a primeira vez que o PSD estaria a governar o país nessas circunstâncias. Aconteceu, por exemplo, com o professor Cavaco Silva, em 1985, e foi o ciclo mais virtuoso da governação de Portugal desde o 25 de Abril”, elogiou.
Sobre um governo com os Socialistas não respondeu, colocando o ônus no eleitorado, a quem cabe “manifestar a sua vontade política” e acusou o PS de uma postura de quem “não governa nem deixa governar” nos Açores sem confirmar se espera que o PSD estabeleça um acordo com o Chega na região autónoma. “É preciso clarificar posições. O Chega terá agora o chamado teste do algodão. Tem de decidir se vai para os braços do PS, que se colocou na oposição à governação do PSD, ou se respeita o resultado eleitoral e a vontade dos açorianos”. O “teste do algodão” tem “dia e hora marcada” no momento de votação do programa do governo no parlamento regional.
Passado esteve presente: troika, pensões e geringonça
O PCP propõe um aumento de 7,5% “para todos os pensionistas e agora, que é agora que faz falta”, com um mínimo de 70€ para abril, como referiu no debate de sexta-feira, frente ao Chega, e “com aumentos permanentes durante a legislatura, no mínimo acima da inflação”, acrescentou – ver páginas 53-56 do programa da CDU. Para pagar o aumento, explicou Raimundo, servem os 1600€ milhões que o “OE em vigor decidiu atribuir em benefícios fiscais aos grupos económicos, aos tais dos 25€ milhões de lucros por dia. Não foi de propósito, mas o valor bateu certo: ou o damos a esses grupos ou entregamos a mais de dois milhões de pessoas a quem tanta falta faz”.
Paulo Raimundo agarrou a “reconciliação” do PSD com os pensionistas, expressão empregue pelo moderador, e acusou “PSD, CDS e, para sermos justos, aqueles que agora são os rostos do Chega e IL” de terem sido os “recordistas dos cortes de pensões, naqueles tempos sombrios da troika”, atirando que estão a falhar com esse compromisso, dando como exemplo o chumbo pelo PSD da proposta do PCP para aumento das pensões.
Montenegro reconhece que teve “grandes responsabilidades” no tempo da troika, mas todas no sentido de “ter contribuído para um governo que devolvesse ao país a autonomia para se poder financiar e dar respostas a problemas que eram estes: em 2011 não havia dinheiro para pagar nem salários, nem pensões. O corte que houve e que salvaguardou todas as pensões mais baixas foi inscrito no memorando de entendimento do Estado português com as entidades financiadoras negociado pelo PS”.
Sobre o compromisso assumido com os pensionistas, Montenegro usou a palavra “reconciliar” porque não deseja estar a “perder tempo com o passado” e porque é o que a realidade permite dizer e fazer – “vivo no mundo real, sei que há pessoas que não compreenderam o esforço que fizemos nessa ocasião e eu não quero lutar agora contra isso, não quero que a discussão volte 10-15 anos atrás”, frisou.
Montenegro conclui dizendo que os pensionistas podem confiar no PSD, “responsável pelo maior aumento de pensões com a instituição do 14º mês”, lembrou. A termos de medidas, a AD propõe “um aumento anual das pensões no mínimo equivalente à inflação” e acima desse aumento legal para as pensões mais baixas. Adicionalmente, quer um complemento solidário para idosos “para garantir que aqueles que têm verdadeiras dificuldades não ficam para trás” a atingir os 820€ até ao final da legislatura – ver páginas 128-129 do programa da AD. Numa segunda legislatura, Montenegro quer que este valor suba para o do salário mínimo nacional.
Paulo Raimundo volta a lembrar a falta de apoio parlamentar do PSD na aprovação de propostas para aumento de pensões e acusou Montenegro de estar agora numa conveniente “chuva de promessas”. O secretário-geral do PCP acusou o programa da AD de ter como uma das “linhas fundamentais o retomar do processo interrompido em 2015”. O representante da AD acusou Raimundo de se “associar” aos feitos da governação socialista, que tanto critica e com um “resultado antagónico aquele que Paulo Raimundo quis transmitir. Os últimos oito anos foram trágicos para o país”.
Salários e política fiscal: o “agora” e as “mudanças estruturais”
No campo dos salários, a CDU propõe um aumento de 15%, no mínimo de 150€, no público e privado. Raimundo admite que tal não se faz por “decreto” e insistiu que se deve acabar com a “caducidade da contratação coletiva”. Raimundo estima que a medida custe 15€ mil milhões, que passariam “do capital para o trabalho”. “É muito dinheiro, de facto. É para fazer agora, porque agora é que é preciso. Não vale a pena virem com o choradinho que não há dinheiro, que isso não cola”, advogou. As páginas 11-12 do programa da CDU detalham as medidas da coligação sobre o tema.
Já a AD sugere um salário médio de 1750€ até 2028 (ver páginas 52-56 do programa), assente num crescimento positivo da economia, cenário que vê como “prudente” e com as “contas feitas”. Para sustentar a subida “é preciso desbloquear os constrangimentos que têm impedido maior criação de riqueza e maior crescimento da economia, um deles é a política fiscal, sob os rendimentos do trabalho e das empresas”, defendeu Montenegro, admitindo que “não é só” e que são precisas mudanças estruturais.
A AD tem como propostas “baixar o IRS da classe média, baixar o IRS ainda mais dos jovens até aos 35 anos” para fixar “o capital humano em Portugal” e a isenção de contribuições e impostos de prémios de produtividade até ao limite de um vencimento mensal – as contas feitas a estas receitas são apresentadas na página 97 do programa da AD.
O moderador perguntou a Raimundo se para a CDU “a fuga aos impostos é mais importante do que descer impostos”. O secretário-geral do PCP respondeu que “é tudo importante” e complementou dizendo que “o nosso problema é de uma enorme injustiça fiscal”, defendendo uma descida dos impostos no trabalho e no consumo, com aumento “de forma efetiva” nos impostos sobre o capital, argumentando que a descida do IRC proposta pela AD “com todos os floreados e conteúdos que possa ter, vai sempre parar à descida de impostos para os grandes grupos económicos”. Neste sentido, o PCP propõe imposto mais baixo apenas para as pequenas e médias empresas – ver páginas 21-23 do programa.
Aterrar em soluções
Sobre o novo aeroporto, Montenegro disse que espera conclusões para tomar a decisão sobre a localização no início da nova legislatura, com a ajuda do “do gabinete que criei no PSD, para poder extrair politicamente conclusões daqueles que verdadeiramente estudaram, os técnicos”.
Para a CDU, a solução do novo aeroporto de Lisboa em Alcochete é algo “que está arrumado,” mas deixou um alerta: “Só espero que não tenhamos uma multinacional estrangeira a decidir pelo país onde será o aeroporto. A Vinci não manda no país”.
O JA acompanhará todos os confrontos entre os partidos que têm, simultaneamente, maior representação parlamentar e peso local: AD – Aliança Democrática (PSD/CDS-PP/PPM), PS – Partido Socialista, Chega, BE – Bloco de Esquerda e CDU – Coligação Democrática Unitária (PCP/PEV). Os balanços, com verificação de factos e síntese de ideias discutidas, serão publicados na manhã seguinte ao debate.