Moisés Ferreira: “É preciso pôr fim à especulação”

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O Jornal de Albergaria optou por entrevistar estes cabeças de lista por serem porta-vozes dos partidos que, simultaneamente, têm maior representatividade no voto albergariense em eleições nacionais e locais, considerado os resultados das Legislativas 2022 e Autárquicas 2021 – PS, AD (PSD/CDS/PPM), Chega, BE, IL e CDU (PCP/PEV). Chega e IL não responderam.

Os cabeças de lista são os candidatos mais prováveis de, dependendo do resultado do partido que encabeçam, ter lugar no Parlamento. Nas últimas Legislativas, em 2022, foram eleitos pelo círculo eleitoral aveirense – composto por 642 185 inscritos e com 16 mandatos por distribuir – 8 assentos pelo PS, 7 PSD e 1 Chega. As entrevistas serão publicadas e divulgadas pela ordem de chegada das resposta ao Jornal: Moisés Ferreira do BE, Joana Dias da CDU, Emídio Sousa da AD e Pedro Nuno Santos do PS.


Moisés Ferreira é cabeça de lista pelo BE e apresenta as medidas do partido para combater a especulação imobiliária e para uma mobilidade mais sólida no distrito. O candidato de 38 anos é mestre e doutorando em psicologia e foi deputado na AR entre 2015-2022, altura em que coordenou a política de saúde do Grupo Parlamentar do BE. É dirigente distrital e nacional do Bloco. A entrevista abaixo apresenta-se tal como nos foi enviada, a 25/2/2024.

Jornal de Albergaria (JA): Se pudesse apenas escolher uma, que medida do programa da BE elegeria como mais determinante e urgente para a Região de Aveiro?

Moisés Ferreira (MF): Baixar o preço da habitação. Essa é uma medida fundamental a aplicar em todo o país e no distrito de Aveiro em particular. De acordo com os dados do INE, o preço do m2 aumentou, só nos últimos 3 anos, entre 30% e 50% nos concelhos do distrito de Aveiro. E o valor das rendas aumentou na maior parte dos concelhos entre 20% e 40%. É uma enormidade. Em Albergaria-a-Velha esses aumentos foram de 30% e 20% respetivamente. Nenhum trabalhador viu o seu salário acompanhar este aumento e é por isso que hoje a habitação é o principal fator de empobrecimento de muitas famílias. É preciso pôr fim à especulação que nos está a tirar as casas. Como? Colocando tetos máximos às rendas, usando a CGD para baixar os juros do crédito à habitação, utilizando os imóveis devolutos (em alguns concelhos são às centenas) para os transformar em habitação a custo controlado. Só com estas 3 medidas conseguiríamos baixar significativamente o preço da habitação e resolver o que é hoje o maior problema para a maior parte das pessoas.

JA: A descentralização defendida pelo BE é diferente da “descentralização de competências” do PS, como escrevem no programa eleitoral. O modelo do Bloco visa garantir que os municípios com menos recursos financeiros conseguem assegurar serviços. O que farão diferente? O BE conta mobilizar mais receita para municípios com menos recursos?

MF: O PS não fez descentralização nenhuma. Chama descentralização a uma municipalização. Isto é, chutou para os municípios responsabilidades que são do Estado central. E na maior parte dos casos não fez acompanhar essa municipalização com as verbas necessárias. O que vai acontecer com esta municipalização do PS é que os municípios com menos recursos vão passar a ter pior saúde e piores escolas, isto só para dar dois exemplos. Lisboa tem um orçamento municipal de 1300 milhões de euros; Albergaria de cerca de 36 milhões. Acham mesmo que os dois concelhos estão em pé de igualdade para desenvolver políticas tão importantes como as políticas na área da saúde, da educação ou da segurança social? Claro que não. Isso só trará desigualdade e mais assimetrias. O que o Bloco de Esquerda propõe é uma política de coesão territorial, com abertura de mais serviços públicos nos territórios que não são as grandes cidades e com incentivos à fixação de trabalhadores do setor público e privado. Isso sim é descentralizar. É colocar o Estado nos locais menos populosos, próximo das pessoas.

JA: Ainda na descentralização, o BE defende que a necessidade de autorização do Ministério das Finanças para avançar “todas as despesas e contratações” provoca “estrangulamentos insustentáveis”. A descentralização é vista por alguns eleitores com desconfiança. Que mecanismos de fiscalização prevê o Bloco para os fundos necessários para concretizar a descentralização?

MF: O que nós dizemos é que não pode continuar uma política de encerramento de serviços públicos nos locais menos populosos. Há concelhos que ao longo dos anos têm perdido os CTT, os balcões da Caixa, repartições de finanças, extensões de saúde e escolas. Isso não é descentralizar. Isso é concentrar os serviços públicos nas grandes cidades. Por outro lado, outros serviços que permanecem estão permanentemente ameaçados com burocracias criadas para tentar evitar qualquer investimento. O Centro de Saúde de Albergaria é um exemplo disso. Quanto tempo foi preciso para se iniciar os procedimentos para as obras (mais do que urgentes) neste centro de saúde? E porquê? Porque é preciso sempre a autorização deste e daquele organismo, da ARS, da tutela, etc. O que o Bloco de Esquerda propõe é que as entidades públicas tenham autonomia para este tipo de decisões; com isso deve vir também o reforço da responsabilização das administrações públicas.

JA: A “alta velocidade” é mencionada no programa eleitoral do BE como uma das “valências ferroviárias” na “construção da terceira travessia do Tejo”. O projeto da Linha de Alta Velocidade (LAV), apesar de contemplar Aveiro como um dos pontos da Fase 1 (Porto-Soure), a concluir até 2028, tem sido polémica no distrito, sobretudo em concelhos como Albergaria-a-Velha e Estarreja. Que palavras dirige o BE aos eleitores que mais vão sofrer e menos vão beneficiar com a LAV?

MF: Em primeiro lugar, o traçado escolhido deveria ser o de menos impacto nas populações; em segundo lugar, nas situações excecionais em que não é possível evitar o impacto, devem ser estabelecidos, de forma transparente, regimes de indemnização e compensação proporcionais. Mas há um outro aspeto a considerar. O distrito tem duas outras linhas de comboio, e essas sim, servem diretamente as populações do distrito. Estou a falar, obviamente, da linha do Vouga e da linha do Norte. A primeira – a do Vouga – continua num estado de quase completo abandono. Preciso de obras integrais, eletrificação, novos comboios, mais rapidez na circulação, correção de traçado em várias zonas e mais horários. A segunda – a do Norte – precisa de reforço de capacidade e de obras para garantir que, por exemplo, o Alfa Pendular consegue atingir o máximo da sua velocidade. Apostar na ferrovia deve passar também por aqui. O país não pode ser só o TGV e a população de Aveiro merece ter comboios que a sirvam. Por isso, o Bloco de Esquerda não deixa nunca de falar destas duas linhas que são para o dia a dia do distrito bem mais importantes que o TGV.

JA: No cenário nacional, muito se tem falado do voto útil. Quem vota em círculos eleitorais mais pequenos – no fundo, fora do Porto e Lisboa – pode sentir-se atraído a escolher um partido com maior representatividade parlamentar. O círculo eleitoral de Aveiro com 642 mil eleitores elege 16 deputados para o Parlamento, quase todos PS e PSD. Esta dinâmica torna o voto na BE menos apelativo?

MF: O Bloco é o único projeto à esquerda do PS com reais possibilidades de eleger no distrito de Aveiro. Já o fizemos no passado e estou convicto que o faremos no dia 10 de março. Quem quer um projeto de esquerda para o distrito e para o país tem uma opção no distrito de Aveiro: o voto no Bloco de Esquerda. Nos últimos 2 anos a maioria absoluta do PS mostrou não ser esse projeto e por isso é hoje claro que não há vontade no país de dar mais maiorias absolutas e os outros partidos que se apresentam à esquerda não têm possibilidade de eleição. O Bloco tem. Por isso acredito que o Bloco é o voto mais apelativo no distrito de Aveiro.