Firmino Ruas: “Nunca tomei uma decisão sem ver, com os meus olhos, do que se trata”

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Firmino Ruas Mendes, natural de Carregal do Sal, integra a lista do PS pelo círculo eleitoral de Aveiro para as Legislativas ’24. O representante socialista único na Assembleia Municipal, ativo na política regional desde 1976, conversa com o JA sobre temas que marcam a atualidade albergariense e decisões nacionais que impactam o local, como a Linha de Alta Velocidade e a descentralização.

O Jornal de Albergaria (JA) conversou com os albergarienses que integram as listas para as Legislativas ’24 pelo círculo eleitoral de Aveiro. Sejam ou não eleitos para o Parlamento, queremos levar aos nossos leitores a visão de quem se candidata pelo concelho para representar o distrito e o país.

Os temas escolhidos foram-no pelo impacto que as decisões tomadas a nível nacional têm em concelhos fora dos grandes centros urbanos e por marcarem a atualidade local. Por uma questão de transparência, o JA informa que os entrevistados tiveram acesso prévio às questões para que a resposta fosse o mais esclarecedora e informativa possível para os eleitores.

A ordem de divulgação das entrevistas aos candidatos albergarienses seguiu a ordem dos resultados das anteriores Legislativas (2022) no concelho: PS (37,66%), PSD (34,38%) e CDU (1,49%). Esta é a primeira de três entrevistas feitas aos candidatos: Firmino Ruas Mendes (PS), Henrique Caetano (CDS) e Sara Vinga (PSD) ambos candidatos pela AD – Aliança Democrática e Andreia Mortágua (CDU).


Firmino Ruas Mendes é presidente da Comissão Política da Concelhia do PS e membro da Assembleia Municipal de Albergaria e integra, para estas Legislativas, a lista do partido pelo círculo eleitoral de Aveiro. A entrevista abaixo transcrita foi conduzida no dia 23/2/2024, por chamada telefónica.

JA: A Linha de Alta Velocidade é um projeto nacional que inclui o distrito de Aveiro como ponto de passagem e paragem no troço Porto-Soure, que deverá estar finalizado em 2028, polémico no concelho de Albergaria pelo dano inevitável que vai provocar em terrenos e habitações. Falou-se já da possibilidade de existir uma paragem em Albergaria como forma de compensação por estes danos. Qual é a posição do PS Albergaria sobre o tema?

Firmino Ruas (FR): Eu acompanho este projeto desde a primeira hora. Estive presente nas sessões de esclarecimento à população [em AlbergariaBrancaAngeja e São João de Loure e Frossos]. É um projeto grande, de dimensão nacional e acreditamos que, seja ele construído em qualquer parte do território, acarreta sempre consequências, como é normal em projetos desta natureza.

Há que colocar nos pratos da balança os benefícios e as consequências. Portugal não se pode adiar ao resto da Europa, nem ficar de fora destas grandes e importantes infraestruturas. A LAV tem de surgir na discussão integrada numa política de mobilidade que permita desenvolver o país no seu todo, ou seja, criar linhas que sejam distribuidoras do fluxo das pessoas pelo território, com ligação a linhas já existentes – isto permite que os cidadãos tenham mais conforto e ganhos de tempo. Os benefícios da LAV superam claramente os malefícios.

No que diz respeito à estação em Albergaria, a posição do PS é claríssima: a ser construída, tem de ter uma capacidade de, a partir dali, ter polos para outras localidades para que também possam ser servidas por este novo meio de transporte.

JA: Não teme que ao passar por Albergaria a LAV fique menos de “alta velocidade”?

FR: Essa é a grande questão. Eu já tive o prazer de andar em França no TGV e é evidente que não pode parar de 50km em 50km. A estação em Albergaria teria o seu interesse desde que fosse criado um sistema de mobilidade Albergaria-Aveiro para ligar o concelho à nova estação. Creio que, neste momento, é algo que está fora de hipótese, apesar de não estar 100% negado. Nesta fase, a maior discussão é mesmo a localização das estações porque todos os concelhos afetados gostariam de ter uma. É compreensível que o comboio não possa parar em todos os lados, para isso já temos o Alfa.

JA: E as medidas compensatórias?

FR: As medidas compensatórias estão previstas no programa, com detalhe sobre o que os eventuais prejudicados vão receber. Se for destruída uma casa, será construída outra rigorosamente igual e no local indicado pelo lesado. Durante as sessões de esclarecimento nas Juntas de Freguesia levantou-se a questão de terrenos agrícolas que seriam separados pela LAV – nestes casos, existe a solução dos túneis ou ligações. O caso da atenuação do ruído também está previsto no projeto.

JA: E subscrevem o projeto como ele está?

FR: Claro, como é óbvio.

JA: Falando agora de descentralização. No Encontro Nacional de Autarcas do PS, em Coimbra, Pedro Nuno Santos defendeu a descentralização como essencial, advogando que “há um conjunto de tarefas, atividades, decisões, que são mais bem tomadas e executadas por quem está no poder local”. O PS tem sido criticado pela AD, a nível nacional e local, por ter feito uma descentralização só de competências – sem meios para a executar. O que falhou?

FR: A descentralização é um imperativo nacional no qual, desde muito cedo, o PS se empenha. Só com políticas desta natureza é possível aproximar os portugueses dos centros de decisão. É muito mais fácil chegar à Câmara Municipal e resolver um problema do que termos de ir para os serviços centrais. É um processo que implica uma envolvência cada vez maior e tem em vista reforçar, ainda mais, o estado democrático.

O PS reafirma que está disposto a encontrar soluções que melhorem e façam sentido na atual realidade nacional. Queremos garantir mais e melhores recursos financeiros para as autarquias, maior transparência nos processos e o regular debate entre os principais interlocutores neste processo.

É um processo que nos confronta com múltiplos e complexos problemas, mas que podem ser solucionados pelas vias corretas. Por exemplo, na Educação, o Governo assegura a totalidade das verbas para as obras necessárias, portanto, o envelope financeiro está garantido, e a descentralização permite uma abertura para que a manutenção dos edifícios escolares seja muito mais célere, porque quem está aqui perto conhece muito melhor a realidade do que quem está no Terreiro do Paço. Permite igualmente uma melhor escolha das empresas para os serviços contratados, por exemplo, para servir refeições escolares. É muito mais ágil se estas decisões forem tomadas pelas Câmaras Municipais.

No campo dos transportes, a descentralização permite igualmente um grande avanço. As autarquias interligarem-se umas com as outras e criarem uma rede de transportes que permita uma mobilidade muito mais célere e cómoda. Na área da Saúde, no âmbito do PRR, as verbas para os municípios vão aumentar substancialmente e dar oportunidade de recuperar e aumentar as infraestruturas. Tudo isto vem colocar ainda mais à prova a capacidade dos nossos autarcas para ter na mão a descentralização real.

JA: Não acompanha as críticas de que faltou o envelope financeiro?

FR: As verbas, como disse, vão aumentar substancialmente com o PRR. No entanto, há sempre um limite e o valor destinado à área da Saúde não pode ser alocado a outra. Para além disso, a divisão é feita de acordo com as necessidades de cada município.

JA: Continuando no local, os resultados nas Legislativas e Autárquicas do PS em Albergaria são muito diferentes. Espera que o resultado destas eleições impulsione o da próxima ida às urnas a nível local?

FR: As eleições Autárquicas são completamente diferentes das Legislativas e isso implica não poder fazer comparações entre resultados. Ao longo dos anos, tem sido visível que uma não influencia a outra. Albergaria é um bom exemplo disso: o CDS sem expressão nacional e afastado do Parlamento tem ganhado as eleições no concelho; o PS ganhou aqui nas Legislativas ’22 com 37,66% dos votos e ficou muito aquém nas Autárquicas.

É igualmente importante considerar que nos pequenos concelhos a figura do cabeça de lista à Câmara tem um peso muito forte: pelo seu carisma, maneira de ser ou até posição social consegue ganhar eleições, independentemente do partido. É o que tem acontecido. Eu, como presidente da CPC, e em conjunto com todos os militantes, estamos empenhados em obter um excelente resultado em 2025, voltar aos tempos em que já tivemos sete deputados municipais. Claro que queremos mais, apontamos sempre para querer ganhar. Não há nenhum partido que diga que concorre para perder.

JA: Como navega passar a adversário a nível nacional, quando, a nível local, PSD e PS formam a oposição ao executivo CDS?

FR: Temos visões diferentes. Nem o PS nem o PSD está no poder, mas já conseguimos que algumas propostas tivessem outro resultado por fruto da minha posição e da do PSD. São contextos diferentes.

JA: Falando de projetos específicos, o Museu Nacional da Água e Arquivo dos Recursos Hídricos vai demorar, mas é para avançar. Que expectativas guarda para este projeto?

FR: Aguardamos serenamente que o projeto seja apresentado e discutido. Depois disso, analisaremos todos os pormenores, no momento e local certos, e daremos conta do nosso sentido de voto. Devo acrescentar que tudo o que vier a ser uma mais-valia para o concelho nunca terá o nosso voto contra. Se o que está a ser proposto acrescentar algo ao bem-estar dos cidadãos e ao enriquecimento do concelho, merecerá sempre o nosso voto favorável. Não há dúvida nenhuma.

JA: Isso é transferível para o Parque Urbano? O PS apoia o PSD local neste projeto?

FR: O PS não tem de apoiar o projeto do PSD, cada partido tem a sua estratégia e dá ao Parque a importância que ele merece. Eu tive a oportunidade de, em sede de estatuto de oposição, de analisar o projeto com a Câmara. Para o PS, o mais importante, independentemente da localização, é que o Parque esteja pronto para que os albergarienses possam desfrutar dele o mais rapidamente possível. Não podemos é estar à espera mais 10 anos, isso seria imperdoável. O projeto está a andar.

JA: Na última Assembleia de Freguesia de Albergaria-a-Velha e Valmaior, o PSD criticou o projeto da Praia fluvial no Caima por ser uma ideia que está sempre em programa e nunca avança. Acompanham a crítica? O que acham do projeto para o concelho?

FR: No mesmo sentido do que já foi dito, as propostas que tragam valor acrescentado para o concelho são sempre bem-vindas. Não nos imiscuímos nas críticas que o PSD faz ao projeto, mas as nossas serão sempre feitas em lugar próprio e após conhecimento cabal do projeto. Eu fui eleito a primeira vez em 1976, nas primeiras eleições Autárquicas, e nunca na minha vida tomei uma posição sobre qualquer coisa sem ter um papel à minha frente para ver com os meus olhos do que se trata. Tudo tem um tempo e a Praia Fluvial do Caima também terá tempo de ser discutida, avaliada e tomaremos a nossa posição de acordo com o que nos for apresentado.

JA: Terminamos com os jacintos de água, uma problemática que se repete todos os anos. Na sua ótica, o que está a falhar? Faltam soluções intermunicipais?

FR: A Península Ibérica tem sido confrontada com esta praga e Portugal não escapa, temos zonas que ficam totalmente dominadas pelos jacintos, que provocam um efeito devastador sobre a biodiversidade e habitat; e arrasam a qualidade de vida das populações que gostam de usufruir do Rio. É importante que se mobilizem meios necessários e suficientes para resolver a situação. Pelo conhecimento que tenho, e em conversa com especialistas, sei que os custos para acabar definitivamente com os jacintos de água são elevadíssimos.

A Câmara de Águeda, se não estou em erro, comprou recentemente uma máquina para resolver o problema na Pateira [de Fermentelos], mas corta-se e eles voltar a crescer. Os jacintos têm uma capacidade de propagação muito grande, nomeadamente através dos restos de sementes que ficam depois do corte.

Os especialistas entendem que criar barreiras, segmentar parcelas de terra, é uma das soluções – é algo difícil de criar debaixo de água e de complexa monotorização. Outro elemento que entendem ser muito importante é a mão humana: quem tem terrenos à beira dos rios e que os cultiva deve evitar ao máximo que os fertilizantes cheguem junto da linha de água e deem ainda mais força aos jacintos.

JA: A descentralização podia ajudar aqui?

FR: Sim, a descentralização teria um grande poder, sobretudo na partilha de recursos entre Câmaras Municipais. Ao invés de cada um tratar da sua casinha, podem juntar meios para obter o material necessário e suficiente para controlar a espécie, com custos menos elevados.

JA: Fugindo um pouco ao guião, mencionou que foi eleito pela primeira vez em 1976. O que é que o motivou a ir para a política? Que balanço faz destes quase 50 anos?

FR: Comecei a perceber, desde muito cedo, que Portugal não podia viver naquelas condições. Quando se deu o 25 de Abril, eu estava na Guerra Colonial, que foi algo que me marcou pelo que vi e pelo que passei, mas convivo muito bem com isso. Infelizmente, não foi o caso para todos os meus camaradas.

Eu faço 50 anos de militante do Partido Socialista no dia 24 de setembro, ando nisto há muitos anos. Fui candidato em vários concelhos por onde passei. As pessoas sabiam que eu estava ligado à política e foram-me convidando. Estive numa Assembleia Municipal 12 anos, passei por uma Junta de Freguesia e fui candidato noutras. Em Albergaria, já me tinham convidado em 2013 e 2017, mas, por motivos pessoais, não consegui. Em 2021, estava totalmente livre e aceitei e abracei o projeto e acabei por vir a ser presidente da CPC aqui do PS. Muito resumido é isto.