Os tópicos programáticos comuns de combate à corrupção, aumento de salários, valorização das pensões e taxas para a banca não aproximaram, em circunstância alguma, os dois partidos – e só um deles se exalta com isso. Entre o país e a questão europeia, Aveiro foi tema no debate, a propósito da sede do PCP envolta em polémica.
O terceiro e último debate da noite de sexta-feira, dia 9 de fevereiro, travou-se entre André Ventura do Chega e Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP em representação da Coligação Democrática Unitária (CDU – PCP/Verdes).
A corrupção foi ponto de partida, com Paulo Raimundo a defender que esta só se combate no “centro da questão, que são as privatizações, os paraísos fiscais e a subjugação do poder político ao poder económico”. Para saber mais sobre as medidas de combate à corrupção do partido consulte as páginas 7-8 e 79-84 do programa da CDU.
Numa das caraterísticas folhas impressas que costuma levar para os debates, Ventura mostrava, acusando o adversário de “cegueira ideológica”, uma notícia sobre “corrupção em quatro empresas públicas”, como prova de que não acontece “só porque há privatizações” – algo nunca dito por Paulo Raimundo, como o próprio fez notar.
André Ventura atacou o PCP por nunca ter votado ao lado do Chega, mesmo em temas programáticos comuns, como era o tema em debate. “O Paulo Raimundo parece orgulhar-se de dizer que nunca acompanhou nenhuma incitativa do Chega e é verdade. O PCP não nos acompanhou no aumento de penas para a corrupção e o confisco de bens. É contra a corrupção, mas assim em geral, como se fosse uma coisa que ninguém sabe bem o que é”, lançava André Ventura.
Paulo Raimundo não se tocou: “Temos orgulho nisso. Temos a medalha de nunca ter votado ao lado do Chega. Não vamos contribuir para alimentar a hipocrisia e a demagogia. Conhecemos bem as propostas que de manhã são umas e à tarde são outras”. O líder do Chega acusou esta de ser uma posição calculista, argumentando que “o Chega não deixou de viabilizar medidas do PCP que fossem boas para o país, eu penso no país, não penso em cálculos partidários”.
Falando em medidas, depois de reforçar que o país perde 20 mil milhões de euros por ano com a corrupção, André Ventura detalhou que o Chega propõe “dissuasão, prevenção e confisco” como “as três áreas fundamentais” no combate à corrupção – ver, por exemplo, páginas 9-11 e 14-19 do programa do Chega. “Eu não aceito que nós tenhamos uma série de processos que se arrastem há 10 anos e que, independentemente de estarem a ser julgados ou não, continuam a viver nos espaços que sempre habitaram”, reforçou, como sustento à “grande reforma na área do confisco de bens” que sugere.
Fantasmas ideológicos
As pensões compuseram a fatia do meio do frente a frente. O Chega propõe que subam progressivamente ao longo da legislatura, primeiro niveladas pelo valor do Indexante dos apoios sociais (IAS) e depois para o Salário Mínimo Nacional (SMN) – ver páginas 82-83 do programa.
O partido estima que para sustentar a medida seja necessário “um aumento de despesa em seis anos de 7% face ao PIB deste ano”, são “sete a nove mil milhões” para este aumento progressivo. André Ventura assume a medida como um “desígnio nacional” do partido, admitindo-a “onerosa e custosa”, mas necessária perante a situação de “idosos que antes tinha poucos alimentos e poucos medicamentos e agora têm de escolher entre alimentos e medicamentos”.
André Ventura aproveitou para reforçar a progressividade da medida “ao contrário das propostas diruptivas do PCP”. O Partido Comunista sugere um aumento de 7,5% nas pensões com uma subida imediata de pelo menos 70€, bem como a reposição da idade da reforma nos 65 anos – ver páginas 53-56. Em resposta às acusações de disrupção, Paulo Raimundo detalha que a proposta terá um aumento no OE de 160€ milhões, “o mesmo valor que está destinado em benefícios fiscais para os grandes grupos económicos”.
“Nós podemos estar a prometer tudo agora, mas há uma história, que o senhor André Ventura também conhece bem. Durante os tempos sombrios da troika – o tempo de cortes às pensões, salários e subsídio de Natal, do maior aumento de impostos de que há memória – André Ventura estava lá a aplaudir. É por essa razão que o Chega está obcecado em dar a mão ao PSD, para dar continuidade a esse programa”, lançou o líder do PCP.
André Ventura diz que era apenas deputado e pede que “sejam sérios”, lançando-se numa tangente em que acusou o adversário da comparação ser equivalente “a eu agora dizer que o Paulo Raimundo no tempo do PREC como estava no PCP é responsável pelas nacionalizações, expropriações e assassinatos”. Paulo Raimundo pediu “tento nas afirmações”.
SMN até 1000€, duas propostas
Nos salários, ambos os partidos propõem um aumento do SMN até 1000€, com horizontes temporais diferentes – a CDU sugere que lá se chegue já este ano (ver pág. 38-41 do programa) e o Chega até 2026 (ver pág., 77-78 do programa).
A nível de impostos sob o rendimento, o Chega propõe a isenção de IRS para os jovens até aos 35 anos e uma taxa única (flat tax) de IRC de 15% para as regiões autónomas e interior do país e de 18% para o resto do território. Para pagar as medidas, Ventura invocou o “combate à corrupção, à economia paralela – que é de 82 mil milhões por ano – taxar lucros da banca e agir sob o índice de desperdício recorde que temos em Portugal”.
O líder do Chega deu como exemplo de desperdício no setor público os “mil milhões de euros na Saúde que dariam para subir o salário mínimo”, acusando o PCP de apoiar o Governo que permitiu “este nível de desorganização” e de querer aumentar salários “a fechar empresas ao contrário do Chega que propõe um fundo de apoio às empresas que não consigam pagar o SMN”
Paulo Raimundo afirmou que “não somos contra as empresas” e defendeu o aumento de salários através de ajustes nos 86% de custos empresarias que não são salários, suportando-se em dados do Banco de Portugal que referem que 14% dos custos de uma empresa se destinam a pagamento de salários. “Porque não se fixam os preços das telecomunicações, da eletricidade, do gás? A solução não é taxar mais, mas aliviar a carga dos preços de produção”, sugeriu.
O PCP propõe como forma de apoio ao tecido empresarial português, essencialmente composto por PME, uma descida do IRC e lembrou que os aumentos salariais também ajudam a economia nacional, reforçando que três milhões de trabalhadores a ganhar até 1000€ de salário bruto pouco podem contribuir para dinamizar o comércio através do consumo.
Europa, Aveiro e Habitação
A Europa esteve presente no debate, com muito ruído e pouca discussão. André Ventura tentou, logo ao início, trazer o tema, acusando o PCP de querer sair do euro, da União Europeia e da NATO. “Se assim for, estamos a falar de um país diferente”, lançava. Mais tarde, pediu a Raimundo que lhe “explicasse como se tivesse 10 anos” se o PCP quer ou não sair do euro. “Eu quero saber com quem é que estou a debater, eu quero saber se o Paulo acha razoável sair do euro e da UE e ainda aumentar salários e dar baixas fiscais às empresas. Raimundo convidou a uma melhor leitura do programa eleitoral da CDU e respondeu que o país tem de deixar de estar refém das “imposições da UE”.
No programa da CDU não existe nenhuma menção direta à saída do euro ou da União Europeia mas o partido propõe “romper com as dependências externas, reduzir os défices estruturais e assegurar um desenvolvimento soberano, o que requer a necessária libertação do País da submissão ao Euro e das imposições e constrangimentos da UE, visando recuperar instrumentos centrais de um Estado soberano (monetários, financeiros, orçamentais e cambiais) e a eliminação de obstáculos ao desenvolvimento, assegurando o controlo público de sectores estratégicos como a banca e a energia” – ver páginas 10-12 do programa.
Já com a agulha noutro ponteiro, no campo da Habitação, o Chega defende “que os jovens tenham até aos 100€ mil uma isenção de IRS, até perfazer esse valor” e que o Estado seja “garantia” na compra de casa para pedido de empréstimo, mas não responde sobre a capacidade do Estado para tal. “Qual seria a taxa de incumprimento? Não sabemos”, admitiu. O Chega detalha mais sobre estas medidas nas páginas 56-57 do programa.
O PCP defende a disponibilização de 50 mil novas habitações públicas durante a legislatura, “umas construídas, outras reabilitadas, tudo património do Estado”, reforçou. Para tal, conta necessitar de 1% do PIB e lembrou a “questão central” da contribuição da banca “com 12€ milhões de lucro por dia, 6.5 dos quais são em comissões e taxas – é isso que é preciso atacar” – ver, por exemplo, páginas 27-28 do programa CDU.
O moderador, o jornalista João Póvoa Marinheiro, levou a debate a polémica relativa à sede do PCP em Aveiro. A propriedade foi parcialmente vendida pelo partido e vai ser transformada num prédio de sete andares com apartamentos que valem até 500€ mil. “Não teme que este caso possa levar a críticas ao partido que não exerceu a sua influência para que não fossem postas casas a este preço no mercado?”, questionou o jornalista.
Raimundo atacou a relevância da pergunta naquele contexto e respondeu que apenas fizeram uma “permuta” e exercem controlo só sob a parte do edifício que lhes compete. “Podiam era não ter vendido”, lançou André Ventura, que ficou sem resposta e aproveitou para acusar o PCP de votar contra o fim dos benefícios fiscais por ser “dos partidos com mais património” e de não pagar impostos sob a Festa do Avante.
O líder do PCP respondeu com números e espera que “as mentiras que circulam por aí” terminem “de uma vez por todas” – o partido pagou mais de 450€ mil em impostos e mais de 490€ mil sob a Festa do Avante. Para rematar, Raimundo perguntou “quanto é que o Chega pagou de impostos em 2022?” e Ventura não soube responder.
Direitos de “quem nos bate à porta”
A fechar a noite, esteve a imigração. O Chega garantiu que “não se trata de incómodo” e diz que “os mais avançados países da Europa fazem controlo de imigração” e que é a “7ª ou 8ª preocupação das pessoas”. Quando confrontado com dados sobre os imigrantes lucrarem à Segurança Social 1,6€ mil milhões, não estarem a entupir os serviços de Saúde e contribuírem para a taxa de natalidade, André Ventura não confirma se quer ou não impor cotas para a imigração e ameaçou que “qualquer dia temos uma bandalheira a céu aberto” – apesar de Portugal ser dos países mais seguros do mundo, como lembrou o moderador. Ventura reforçou que para a “bandalheira” contribuem medidas como o regime de vistos da CPLP “que até a UE veio criticar e que permite a entrada no território sem qualquer controlo e critério”.
Paulo Raimundo lembrou que muitos jovens portugueses foram “empurrados a sair do país, à procura de uma vida melhor e é isso que quem nos bate à porta está a fazer”. O programa da CDU aponta para medidas de fiscalização da imigração no que toca às redes que exploram quem vem de fora – ver páginas 46-47. “As pessoas têm de ter direitos para cumprir os seus deveres”, finalizou Paulo Raimundo.
O debate aterrou nos Açores, com o moderador a questionar o porquê do Chega ainda não ter tomado posição após o PS se ter demonstrado disposto a chumbar o Governo açoriano. “Espero que o PSD tenha aprendido a lição. Na noite das eleições, Paulo Bolieiro foi para as televisões dizer que agora o PS tinha a situação à sua responsabilidade. Pôs-se ao colo do PS e agora tem a resposta. O PSD ou tem o Chega para viabilizar ou não tem ninguém. Ou há um acordo de Governo ou não há”.
O JA acompanhará todos os confrontos entre os partidos que têm, simultaneamente, maior representação parlamentar e peso local: AD – Aliança Democrática (PSD/CDS-PP/PPM), PS – Partido Socialista, Chega, BE – Bloco de Esquerda e CDU – Coligação Democrática Unitária (PCP/PEV). Os balanços, com verificação de factos e síntese de ideias discutidas, serão publicados na manhã seguinte ao debate.