Andreia Mortágua: “É urgente a despoluição do Baixo Vouga Lagunar”

0
113

As formas de ação política de uma força sem eleitos no concelho, a descentralização, a problemática da prostituição em Albergaria, a defesa da Linha do Vouga e a visão de uma bióloga sobre a praga dos jacintos de água foram temas centrais na entrevista do JA a Andreia Mortágua, candidata natural de Albergaria-a-Nova pelo círculo eleitoral de Aveiro.

O Jornal de Albergaria (JA) conversou com os albergarienses que integram as listas para as Legislativas ’24 pelo círculo eleitoral de Aveiro. Sejam ou não eleitos para o Parlamento, queremos levar aos nossos leitores a visão de quem se candidata pelo concelho para representar o distrito e o país.

Os temas escolhidos foram-no pelo impacto que as decisões tomadas a nível nacional têm em concelhos fora dos grandes centros urbanos e por marcarem a atualidade local. Por uma questão de transparência, o JA informa que os entrevistados tiveram acesso prévio às questões para que a resposta fosse o mais esclarecedora e informativa possível.

A ordem de divulgação das entrevistas aos candidatos albergarienses seguiu a ordem dos resultados das anteriores Legislativas (2022) no concelho: PS (37,66%), PSD (34,38%) e CDU (1,49%). Assim, foram divulgadas as conversas com os candidatos: Firmino Ruas Mendes (PS), Henrique Caetano (CDS) e Sara Vinga (PSD) ambos candidatos pela AD – Aliança Democrática e Andreia Mortágua (CDU).


Andreia Mortágua é bióloga e membro do Conselho Nacional do Movimento Democrático de Mulheres (MDM) e da Comissão Concelhia de Albergaria. A membro da direção da organização Regional de Aveiro do PCP e seu executivo, natural de Albergaria-a-Nova (Branca), integra a lista da CDU para as Legislativas ‘24. A entrevista abaixo transcrita foi realizada a 27/2/2024, na redação do Jornal de Albergaria.

JA: A Linha de Alta Velocidade é um projeto nacional que inclui o distrito de Aveiro como ponto de passagem e paragem no troço Porto-Soure, que deverá estar finalizado em 2028, polémico no concelho pelo dano inevitável que vai provocar em terrenos e habitações. Falou-se já da possibilidade de existir uma paragem em Albergaria como medida compensatória. Qual é a posição da CDU Albergaria sobre o tema?

Andreia Mortágua (AM): A construção da LAV está consensualizada há cerca de 30 anos. O PCP e a CDU acham que este tipo de investimento é importante por promover o desenvolvimento nacional e local. Nesse sentido, temos apoiado o projeto. Nós compreendemos as preocupações das populações que veem posto em causa o investimento financeiro e emocional de anos.

Aquilo que temos procurado, na Assembleia da República (AR) e a nível local em Estarreja, onde temos um eleito, é saber de que forma as pessoas serão recompensadas, informá-las e recolher opiniões – algo que foi feito de forma um pouco deficiente pelo Governo que avançou com este investimento. Pretendemos continuar a defender os interesses das populações, assegurando que serão compensadas, de forma célere, e prestando esclarecimentos sobre como e de acordo com que critérios. O modelo de Parcerias Público Privadas (PPP) escolhido para este investimento é algo com que discordamos. Achamos que deve basear-se numa gestão pública, com competências e responsabilidades de construção atribuídas à I.P. Infraestruturas de Portugal.

Temos igualmente defendido a valorização e requalificação da Linha do Vale do Vouga. Os apeadeiros e a estação em Albergaria-a-Velha são essenciais para o melhoramento da qualidade dos transportes aqui na zona e na Região de Aveiro. Esta Linha, que teve uma importância tão grande para o desenvolvimento regional, quando foi construída, deveria continuar a servir as populações. Nós temos estado em contacto com os utentes do Vouguinha e o que nos transmitem é que seria benéfica e necessária uma revitalização. Os apeadeiros estão maioritariamente fechados e quem espera pelo comboio não tem, por exemplo, casas-de-banho ou serviços cafetaria.

JA: As medidas compensatórias estão previstas no projeto da LAV. Nas sessões de esclarecimento de Albergaria, a parte emocional de vidas passadas naquelas casas pesou muito…

AM: Em relação à construção de nova habitação, lembro que os Municípios aprovaram construções para zonas onde já se sabia haver possibilidade de o traçado passar. Há aqui incoerência e falta de cuidado. É natural que as pessoas vejam isto com preocupação e nós tentaremos assegurar que, pelo menos, a compensação é feita.

JA: Falou da intervenção que tiveram na AR e em Estarreja. Aqui por Albergaria contam estar mais presentes e interventivos mesmo sem eleitos?

AM: Nós vamos estando. Estivemos na última Assembleia Municipal (AM) em novembro, com o representante de Comissão de Concelhia, e temos tentando intervir e estar presentes, mas, não tendo nenhum eleito, é mais complicado. Em 2020, organizámos uma manifestação em frente ao Centro de Saúde por ser uma grande preocupação nossa a garantia do acesso à Saúde com condições – que ali têm faltado, quer por qualidade das infraestruturas, quer por falta de médicos. Estamos nas ruas em contacto com a população e vamos enviando comunicados à comunicação social.

Há temas que nos são muito próprios. O último comunicado que enviámos creio que foi referente à prostituição. É uma preocupação que tem vindo a ser um pouco descurada. A prostituição tem sido defendida, por algumas entidades e pessoas, como trabalho sexual. A verdade é que muitas destas mulheres estão nestas condições por necessidade e não por opção. Muitas delas são vítimas de tráfico – em 2019 foi desmantelada uma rede para fins de exploração sexual no distrito com ligações à zona de Albergaria.

Muitas mulheres recorrem à prostituição porque se deparam com um beco sem saída. Existem várias associações que o dizem, como a Ninho, que tem feito um trabalho excelente neste âmbito. A associação recolheu vários testemunhos de mulheres que saíram da prostituição e que dizem que é algo que não querem nem para elas, nem para as suas filhas. Esta é uma preocupação inscrita no programa do PCP, que defende um programa de saída que assegure as condições de trabalho, habitacionais e de apoio psicológico para estas mulheres.

JA: Que papel acha que a descentralização podia ter neste aspeto? O Município deverá conhecer melhor a realidade local do que alguém em Lisboa.

AM: As associações têm um importante papel nesta questão. Eu sei que houve um projeto levado a cabo pela Prave, em conjunto com outra entidade, que visava recolher informação acerca das condições das mulheres na prostituição em Albergaria, sobretudo na Zona Industrial, e fazer uma remediação dos danos causados, com a distribuição de preservativos e realização de despistes a doenças sexualmente transmissíveis.

A parceria destas associações com o Município pode ser importante, mas também é necessária a criação de comissões e gabinetes de apoio à mulher na prostituição, como existe já na Prave para o apoio à vítima em situações de violência doméstica. Seria importante dotar esses órgãos com mais meios humanos e materiais e promover a consciencialização para esta problemática, que está ainda muito presa à questão do moralismo e da mentalidade das pessoas.

JA: Falando da descentralização de forma mais geral, a CDU concorda o seu aprofundamento, tal como a AD e o PS, embora de formas diferentes, e quer “o fim das comunidades intermunicipais (CI) como associativismo forçado” e o reforço da autonomia dos municípios e freguesias extintas. A CIRA é um exemplo de “associativismo forçado”?

AM: As políticas de desenvolvimento regional defendidas pela CDU são claramente contrárias às dos Governos que temos tido – que levam ao encerramento de escolas, postos de correio, centros de saúde, degradação dos transportes… As regiões do interior do país estão cada vez mais desertificadas e envelhecidas. Não havendo os meios e as estruturas necessárias para poder receber e acomodar pessoas em zonas mais isoladas, elas não vêm.

Nós defendemos uma política integrada e dinamizada decorrente da regionalização pelas áreas metropolitanas e autarquias locais, em vez de termos o Estado Central a transferir competências que deviam ser suas – como a Educação e a Saúde – muitas vezes, obrigando as autarquias a resolver problemas sem o apoio financeiro necessário.

A CDU defende a autonomia financeira e administrativa das autarquias e, nesse sentido, vemos as CI como criações, por vezes, sem legitimidade democrática, que vêm substituir o poder local, eleito pelas populações. É claro que o fim das CI não é uma medida isolada. Um dos casos apresentados como ilustrativo das desvantagens destas comunidades, que tem sido referido pela Comissão Concelhia de Ovar, é a questão da rede de transportes que serve a CIRA e não tem vindo a dar resposta às necessidades das populações, a termos de opções de percursos e horários, com as carreiras escolares a abarrotar.

JA: Em teoria, a vantagem das CI passa muito pela partilha e economia de recursos entre municípios com necessidades semelhantes…

AM: O que acontece, por vezes, é que as CI incluem concelhos que ficariam mais bem servidos em zonas mais próximas das suas caraterísticas e geografia. Importa ver quais são os interesses das populações e as estratégias das autarquias locais para o seu concelho.

JA: Há pouco falava dos transportes. A passagem da Transdev para a BusWay foi um pouco caótica aqui no concelho, sobretudo pela necessidade de carregamento do passe ser presencial, com um horário de bilheteira muito reduzido. Se fosse tudo sempre público seria diferente?

AM: Sim, nós defendemos uma gestão pública dos serviços públicos. Quando ouvimos a população, têm-nos transmitido que o preço das tarifas é demasiado elevado. É uma questão que deveria ser do interesse público e beneficiar a população e acaba por beneficiar as empresas que estão envolvidas nessas parcerias, em vez de dar conta das necessidades da população.  

JA: E como é fazer campanha e escutar essas necessidades num distrito que vota mais à direita. Se já se fala tanto do voto útil a nível nacional, é mais complicado apelar ao voto na CDU num círculo eleitoral pequeno?

AM: Tem-se ouvido muito a questão do voto útil, mas nós, nas nossas ações, também temos ouvido muitas pessoas a dar força à CDU. As pessoas estão numa situação de desespero em que veem o custo de vida a aumentar e o salário a ficar igual, em que são despejadas ou não conseguem pagar a renda e vão viver para tendas. E há muita gente que vê na CDU uma resposta para as suas preocupações, que vê no partido quem os defenda e esteja do seu lado e ao seu lado. Sobre o voto útil, também se falou muito dele nas passadas eleições…

JA: O Paulo Raimundo [secretário-geral do PCP] chamou-lhe “chantagem” nos debates televisivos…

AM: É um argumento utilizado em favor das outras forças políticas. As pessoas também são altamente influenciadas pelos meios de comunicação que têm uma grande responsabilidade no esclarecimento destas questões.

Nós acreditamos que é essencial a mobilização do voto para a CDU, até porque entre 2015-2019 houve uma melhoria significativa nas condições de vida das pessoas e aprovaram-se medidas que se diziam impossíveis – como a gratuitidade dos manuais escolares e a descida no passe social, e a gratuidade das creches que deve agora ser complementada com a Rede de Creches Gratuitas. Nós temos dado provas de que estamos do lado das populações e do povo português. É agora mais do que nunca importante mobilizar as pessoas para o voto consciente e responsável.

JA: Passando agora para o local, que expectativa guarda a CDU para o antecipado Museu Nacional da Água e Arquivo dos Recursos Hídricos, como forma de requalificação da antiga Fábrica de Papel de Valmaior?

AM: A CDU e o PCP sempre defenderam a valorização do património local e cultural. Não vemos entraves a este projeto. O que pretendemos é garantir a possibilidade de as pessoas acederem a este Museu. Nós temos defendido a gratuitidade de acesso aos Museus – pelo menos, aos domingos e feriados – e a retoma da valorização dos programas. Queremos que esta construção sirva o interesse da população da região, que esta possa aceder gratuitamente ao espaço e ter condições para o visitar e conhecer.

JA: Seguindo para alguns projetos que têm sido tema em reuniões e Assembleias, pergunto-lhe sobre o Parque Urbano para a cidade de Albergaria, um projeto demorado, mas em curso. A CDU considera o plano relevante para o concelho?

AM: Claro que a construção de parques para fins de lazer é pertinente, resta saber como se desenrolará esta construção – quais são as condições e os terrenos em que se realizará. Tudo o que seja de valorização ambiental e de lazer não é algo a que nos opúnhamos. 

JA: O mesmo se aplica à Praia fluvial do Caima?

AM: Sim.

JA: Terminamos o local com a praga dos jacintos de água. Como bióloga, como vê esta problemática que se repete todos os anos? O que faria diferente?

AM: As espécies invasoras é um tema que me é particular por o ter abordado durante os estudos na Universidade de Aveiro. Os jacintos de água são uma espécie invasora que muito tem proliferado na zona do Baixo Vouga Lagunar e tem tido consequências ambientes graves – ao criar aquele tapete sob a água, impedem a entrada do sol e a realização da fotossíntese pelas algas e outras plantas que lá se encontram, bem como a entrada de oxigénio na água; o que resulta na morte da fauna local. Já se percebeu que em momentos de seca, em que as temperaturas sobem, há maior proliferação desta espécie. Uma agravante é que se tem tornado cada vez mais tolerante à eutrofização das águas e à poluição, quando comparada a espécies autóctones.

O que o PCP tem defendido, até com o projeto-lei que apresentámos na AR em junho do ano passado, é a criação de um programa que vise a identificação, controlo e erradicação das espécies invasoras, oportunistas e das pragas, na rede nacional de áreas protegidas, nas zonas de matas nacionais e áreas percorridas por incêndios.

Este programa seria implementado e desenvolvido pelo ICNF em articulação com as autarquias locais, Proteção Civil, comunidade científica e as populações de agricultores e apicultores. Estamos a falar dos jacintos de água, mas há outras espécies que têm sido problemáticas em Portugal, como as acácias, que encontramos um pouco por toda a floresta portuguesa, a vespa asiática e o lagostim vermelho do Louisiana. É um programa mesmo necessário.

Os jacintos de água têm tido igualmente consequências sociais e económicas. Os agricultores têm tido dificuldades na captação de água e a população, no âmbito do lazer, vê-se impedida de realizar atividades náuticas, por exemplo, ali na zona de Angeja. É impossível aceder à água com a elevada proliferação.

A CDU tem defendido a despoluição do Baixo Vouga Lagunar, uma medida urgente perante as descargas que são feitas, domésticas e das indústrias. É importante que exista uma maior fiscalização destas descargas por parte das indústrias e um melhor trabalho por parte das ETAR para que não se contribua para o agravamento da poluição no Baixo Vouga Lagunar. Estávamos a falar das praias fluviais e é importante termos essas zonas de lazer, mas com qualidade assegurada.

JA: Sobre soluções concretas para o problema dos jacintos, o concelho beneficiaria de respostas intermunicipais? Quais?

AM: O que se tem feito é a remoção mecânica, é o que tem de ser feito no imediato, mas sementes que ficam acabam permitir a proliferação. Temos de ir à raiz do problema, temos de prevenir que esta espécie invasora tenha o espaço e as condições para se desenvolver. Em termos de parcerias entre municípios, este programa da CDU prevê essa articulação. Seria um trabalho conjunto que passaria por várias fases de prevenção e tratamento das águas.

JA: E o impacto do trabalho agrícola próximo das margens do rio, com recursos a fertilizantes não naturais, é assim tão grande?

AM: Tudo junto, sim. O uso dos fertilizantes é um contributo para a poluição de um rio. Devemos caminhar no sentido de arranjar alternativas sem colocar em causa a atividade dos agricultores que dependem da atividade. Na UA e outras universidades pelo país têm sido feitos vários estudos no sentido de procurar alternativas aos fertilizantes químicos tradicionais que poluem os solos e os cursos de água.

JA: Acabo a fugir um pouco ao guião, a perguntar porquê e quando começou na política?

AM: Vou fazer uma confidência, na minha família ninguém é muito a favor que eu esteja na política [risos]. Mas a verdade é que foi a partir dos valores que me passaram que acabei aqui, valores que partilho com muitos albergarienses – eu nasci e cresci em Albergaria-a-Nova e foram-me, desde cedo, incutidos valores de solidariedade e justiça. Foi aí que começou a surgir a minha preocupação com as questões sociais, sobretudo.

Depois de ter ido para Biologia, percebi que o melhor caminho não é a remediação, mas sim ir à raiz dos problemas. E, depois de ler um pouco de Marx, percebi que fazia sentido esta perspetiva de transformar a sociedade indo à raiz. O PCP é, neste momento, a força política que melhor cumpre esse propósito e que se compromete a transformar o mundo através da procura de uma justiça social real, igualdade e redistribuição da riqueza que produzimos.

Ninguém me veio tentar recrutar, eu é que procurei. Penso que todos temos essa vontade de mudar as coisas para melhor, mas nem sempre sabemos a que meios recorrer para concretizar essa solidariedade. Eu encontrei no PCP e na CDU os meios e as pessoas que estão juntas nesse sentido.

JA: O primeiro contacto com a CDU foi quando?

AM: Foi em 2020. A pandemia impôs essa possibilidade de refletir e pensar com mais tempo sobre as coisas. Foi a primeira vez que contactei o PCP e comecei a participar nas iniciativas e pronto… aqui estou eu.