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Este décimo dia de mundial iniciou a última jornada da fase de grupos. Se em alguns já está quase tudo decidido, há outros que está tudo por decidir. Hoje mais três equipas obtiveram passaporte para os oitavos, enquanto que outras três ficam no sofá a ver.
Seca de um lado, emoção do outro
Com a última jornada da fase de grupos, os jogos do mesmo grupo são jogados à mesma hora, para impedir combinação de resultados. O grupo A pisou o terreno de jogo primeiro, às 15h de Portugal, e opôs, num dos jogos, duas equipas que ainda tinham esperanças de passar, e no outro, duas equipas com destino traçado.
O Países Baixos x Qatar foi desprovido de qualquer emoção, já que os primeiros já tinham carimbado passaporte e do outro o anfitrião a ficar de fora. Foi, de resto a única história deste jogo, já que os Países Baixos impuseram a terceira derrota em três jogos ao Qatar, por 2-0. O Qatar é o primeiro anfitrião a perder os três jogos e o primeiro a ficar de fora logo na primeira fase.

Já o Equador x Senegal viu duas equipas que lutaram por um lugar nos oitavos. O Equador precisava apenas de empatar, e tinha algum favoritismo na partida. O Senegal não podia vacilar. Um jogo onde o Senegal foi superior, criou mais oportunidades, mas só fez um golo nos primeiros 45 minutos. Na segunda parte o Equador empatou de canto e quando ainda festejava, Koulibaly voltava a colocar os senegaleses nos oitavos de final.
Os primeiros dois jogos dos oitavos já estão definidos: Países Baixos x Estados Unidos e Inglaterra x Senegal.

Futebol futebol, politiquices à parte
O grupo B entrou em campo às 19h portuguesas e falava-se quase na totalidade em inglês. Um grupo com Inglaterra, Gales e Estados Unidos… e Irão. A ironia dos sorteios colocou quatro equipas que têm ou tiveram relações geopolíticas algo tensas.
O foco, no entanto, virava-se para o Irão x EUA, que não só por esse historial político, prometia no campo de futebol, uma vez que ambas precisavam de pontuar para continuar em prova. Foi aquilo que prometeu.
Os Estados Unidos assumiram as rédeas na primeira parte, onde criaram mais e remataram mais, o Irão não fez qualquer remate nos primeiros 45 minutos. Perto do intervalo, a maior estrela da companhia americana, Pulisic, fez mesmo o golo que acabaria por valer o passaporte para a fase seguinte.

Na segunda parte, a correr atrás do prejuízo, o Irão lançou-se às feras, mas só mais perto do fim conseguiu fazer tremer os norte-americanos. A vitória dos EUA acaba por não ser tão surpreendente, face ao que foi o encontro. Esta equipa é muito personalizada e não vai facilitar a tarefa para os neerlandeses, os adversários nos oitavos de final.
Do outro lado, um Inglaterra x Gales que não trazia quase nenhuma emoção. A Inglaterra era super favorita, e apesar de só conseguir marcar na segunda parte, confirmou esse favoritismo. País de Gales ficou-se apenas pelo ponto que conquistou aos americanos na primeira jornada, mostrando ser uma equipa que não tem qualidade para estar nestes palcos.

Era uma vez… o Mundial | As Alemanhas e o ‘Futebol Total’
Quatro anos do triunfo do futebol bonito, chegava à República Federal Alemã o ‘Futebol Total’. Aqui apareceu de rompante a Laranja Mecânica, que iniciava aqui uma caminhada qual Sísifo, até ao topo da montanha… sem nunca lá chegar.
Sísifo era uma personagem da mitologia grega. Tinha a reputação de ser o mais habilidoso e esperto dos homens. Quando este enganou o deus da morte, Zeus, furioso, condenou-o a uma eternidade sofrível. O castigo: empurrar uma pedra gigante até ao cimo de uma montanha, e sempre que se aproximava do topo esta caía e o processo começava de novo.
A Holanda tem um percurso idêntico nos campeonatos do mundo. Chegou três vezes à final, em 1974 diante da RFA, em 1978 contra a Argentina e em 2010 frente à Espanha, e perdeu as três vezes. A única prata que tem para mostrar é o campeonato europeu ganho em 1988 contra a URSS.
A Alemanha Ocidental recebia o campeonato do mundo que, com cada vez mais pessoas a assistir pelas televisões, mudou o formato, uma vez que também havia mais interesse comercial na competição. Duas fases de grupos, a primeira fase mantinha igual, grupos de quatro e passavam as duas melhores, na segunda fase dois grupos de quatro onde os vencedores dos grupos jogavam a final entre si. Os segundos lugares dos grupos jogariam o terceiro e quarto lugares da competição.
Sem seleções como a Inglaterra, França, Espanha, e Portugal, que falharam a qualificação, houve espaço para outras estreias. A RDA, República Democrata Alemã participou pela primeira vez, e até defrontou a anfitriã, num duelo empolgante e político entre as duas Alemanhas.
Os ex-campeões Itália e Uruguai caíam logo na primeira fase, os Países Baixos, a altura Holanda, chegavam tranquilamente à segunda fase e as Alemanhas, encalhadas no mesmo grupo da primeira fase, tiveram destinos diferentes, tendo ambas atingido a segunda fase de grupos.
Quis a ironia divina dos mundiais que a RFA e a RDA estivessem colocadas no mesmo grupo. Encontraram-se na última jornada da primeira fase. Em pleno cenário de Guerra Fria, os olhos estiveram postos no Volksparkstadion, em Hamburgo. Ambas as Alemanhas estavam apuradas, mas estava em disputa o primeiro lugar do grupo. A RDA venceu mesmo a partida, graças ao golo de Sparwasser, à passagem do minuto 78. O jogo foi muito menos tenso do que seria de esperar e os jogadores até trocaram as camisolas no final do jogo, no túnel de acesso aos balneários, já que estavam proibidos de o fazer aos olhos do mundo.

O primeiro lugar do grupo para a RDA significou entrar para o grupo mais complicado da segunda fase, enquanto a RFA instalava-se no grupo teoricamente mais acessível para chegar à final do torneio.
Os Países Baixos brilharam, derrotando os três adversários na segunda fase, a Argentina com uma goleada, o Brasil e a RDA. O futebol era simples, com muita troca de bola e a dominar todos os aspetos do jogo, sob a batuta de Johan Cruyff, a Holanda era a fundadora do chamado ‘Futebol Total’. Chegava à final do Olympiastadion, em Munique, contra a anfitriã RFA, com um futebol apaixonante.
Se de um lado estava Cruyff, do outro estava o consagrado ‘Kaiser’ Beckenbauer e o ‘Panzer’ Müller. No fim, o futebol total perdeu o jogo contra a Alemanha, que mais uma vez se sagrava campeã sem grande brilho.
Cruyff, o revolucionário

Cruyff apareceu apenas neste mundial. O craque do Ajax consagrou-se como um dos génios da modalidade e, mais tarde, como treinador iria aplicar essas mesmas estratégias do domínio do jogo e do controlo do objeto do jogo, a bola. Johan Cruyff tem uma frase muito famosa, “Jogar futebol é muito simples, mas jogar futebol simples é o mais complicado que há”, e inspirou a forma de jogar das equipas de, por exemplo, Pep Guardiola, um dos discípulos que terá conseguido aplicar quase por inteiro a ideologia do seu mestre. O Barcelona, equipa onde jogou e treinou o neerlandês, é o exemplo prático de equipa que joga sob essa ideologia. Sempre prático, o ex-jogador inventou uma finta durante o jogo frente à Suécia. “Estava ali um adversário e eu tinha de o passar. Aquela era a forma mais fácil”, explicou Cruyff dizendo depois que nunca tinha ensaiado aquela que finta que ficou conhecida como a “Cruyff Turn”.
O vergonhoso jogo fantasma
Ainda antes de chegar ao mundial da Alemanha Ocidental, o play-off intercontinental ditou um URSS x Chile. O primeiro jogo deu-se poucos dias depois do golpe de Estado chileno, a 11 de setembro de 1973. Depois de um nulo em terreno soviético, a URSS recusou-se a jogar a segunda mão no Estádio Nacional de Santiago do Chile, por este ser utilizado pelo estado para torturar presos políticos. A FIFA investigou o local e não reparou em nada, uma vez que nesse dia os presos tinham sido transferidos para outro local. A URSS foi desqualificada e o Chile iria participar no mundial da Alemanha. No entanto, mesmo com a passagem automática, a 21 de novembro deu-se a encenação do jogo da segunda mão. Com apenas uma equipa em campo, os jogadores foram a passo com a bola até que o capitão Valdés introduziu o esférico na baliza deserta. Na bancada estavam 20 mil adeptos que assistiram os jogadores a fazer a festa enquanto o árbitro apitava para o final do jogo.
