“Rainhas de Portugal” criam reino de afetos

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Umas mãos fizeram os cabelos de lã, outras, as bochechas em crochet, outras qualquer detalhe, não importa qual. O que importa é que as diferentes partes se uniram e, dessa união, surgiu a Rainha D. Teresa, uma boneca que conta uma história, e cuja boca em forma de coração simboliza o afeto entre todos os que participaram no Projeto Rainhas de Portugal, da ProBranca – dez IPSS, Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha, Junta de Freguesia da Branca, e três empresas.

“Gostava de pelo menos ter pregado um botão”, disse entre risos Flausino Silva, a quem coube proferir as palavras finais no seminário de encerramento que decorreu ontem na Biblioteca Municipal. Embora em tom de graça, foi desta forma que o fundador da ProBranca expressou o orgulho que sentem todos os participantes. O espírito de colaboração entre pessoas de diferentes instituições foi realçado por Flausino Silva: “Acho que quebrámos muitas barreiras. Somos todos melhores quando nos predispomos a colaborar uns com os outros, sem preconceitos”.

O orador fez notar que o projeto teve altos e baixos, avanços e recuos, enfrentou a pandemia, “não foi em alta velocidade”, mas “chegou ao fim” e “teve uma repercussão que não imaginávamos”.

Flausino Silva disse ainda que “os Projetos de Inovação Social têm uma exigência extrema e não há muitos que sejam aprovados”.

Iniciado em 2020, “Rainhas de Portugal” foi financiado no âmbito de uma candidatura ao Portugal Inovação Social – Parcerias para o Impacto, e contou também com apoio financeiro da Durit, como investidor social.

A ideia partiu da constatação da “escassez de interações sociais à medida que a idade avança”, lembrou Paula Abreu, presidente da direção da ProBranca. Desenvolvido em rede, o projeto “aliou práticas de produção artesanal com a aplicação de um conteúdo histórico”, optando por D. Teresa, dada a sua importância na fundação do território de Albergaria.

O seminário de encerramento teve por objetivo agradecer a todos os envolvidos, presenteando cada entidade com uma “Rainha”, e fazer o balanço do projeto, numa altura em que as 300 bonecas produzidas ainda não podem ser vendidas (há que esperar até julho), mas já podem ser reservadas, através do Facebook, ou por contacto direto, na ProBranca.

Valor humano

Na sessão, com sala cheia, interveio Ignacio Martim, do Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, que apontou a mais-valia das “Rainhas”, enquanto produto vendável e com futuro. “Não é só vender um pedaço de tecido, é vender história – a história da Rainha e a história das pessoas que a fizeram. Mais que o valor estético, importa o valor humano”, considerou.

Coube a Vera Gonçalves, da Voltface, entidade consultora, contar parte dessa história, desde o convite da ProBranca para uma visita à instituição. “Visitámos tudo e, no Centro de Dia, havia uma senhora chamada Teresa [animadora socio-cultural] que fazia umas bonecas muito pequeninas chamadas ‘Franjinhas’”. Foi a partir daí que a ideia ganhou força, saindo das paredes da ProBranca, para entrar noutras instituições com valências para idosos.

Várias mãos de 10 IPSS fizeram diferentes partes da “Rainha” e a junção das partes e acabamentos finais tiveram lugar na casa-mãe, explicou Vera Gonçalves, que salientou a “forte ligação entre todos os envolvidos neste projeto voltado para a comunidade”.

Catarina Mendes, vereadora da Educação, louvou o trabalho desenvolvido e o seu “impacto muito positivo”, em linha com o Plano de Ação Social do Município, o qual, segundo disse, assenta numa “rede solidária muito coesa”, para fazer face aos desafios do envelhecimento e da longevidade, num concelho em que 22,8 por cento da população é idosa.

Ana Isabel Ribeiro, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, responsável pelo estudo histórico exploratório que levou à construção da imagem da boneca, defendeu o conceito de “História Pública”, ou seja, não fechada nos arquivos, mas voltada para a interação com as pessoas, com o propósito de promover o conhecimento, o sentido de comunidade, o diálogo e a reflexão. “Mais do que a boneca, que é muito bonita, importa o processo”, frisou, elogiando uma vez mais o trabalho em equipa, “intergeracional, interdisciplinar e colaborativo”. A historiadora revelou que, havendo insuficientes representações medievais da imagem de D. Teresa, foi sua irmã D. Urraca, da qual há mais retratos, que serviu de inspiração.

Resultado de afetos

António João Gomes, da Universidade de Aveiro, na qualidade designer convidado a participar no projeto, falou sobre a “narrativa do produto”, sublinhando algumas particularidades da “Rainha”, entre as quais a boca em forma de coração. Todas as “Rainhas de Portugal” terão esta característica, como símbolo dos afetos entre as pessoas envolvidas. “Tudo isto é resultado de afetos”, enfatizou.

O designer fez notar que, embora retratada com alguma veracidade histórica, “D. Teresa” obedece a “padrões de beleza mais contemporâneos”, porventura até “um pouco transgressores”.

Teresa Marques, animadora sociocultural da ProBranca, que acompanhou todo o projeto, manifestou o seu carinho pelo trabalho desenvolvido, recordou algumas fases do desenvolvimento da ideia, e disse que “foi um processo de adaptação e crescimento”, em que estreitou laços de amizade com outras instituições.

A animadora chamou a atenção para o facto de, agora, haver idosos a perguntar pelo recomeço dos trabalhos. “Então, quando é que há mais?”. A pergunta ainda não tem resposta, mas, segundo disse Paula Abreu ao Jornal de Albergaria, já está já ser feito o protótipo da próxima “Rainha de Portugal” – a Rainha Santa Isabel. Dona Teresa já tem sucessora.