A lembrança de quem já partiu, o recordar de outros tempos e a entrega de prémios que espelham a variedade e talento da Banda Velha União Sanjoanense marcaram o fecho do 197º aniversário da Associação. A sala lotada rendeu-se ao humor d’Os Caretas, personagens carismáticas que deram à cerimónia um tom de maior leveza.
A V Gala “BVUS AWARDS” esgotou o Centro Cultural de São João de Loure (CCSJL), numa noite de humor, homenagem e entrega de prémios que espelham a diversidade e dinamismo da Banda Velha União Sanjoanense (BVUS). O último evento das celebrações dos 197 anos da BVUS foi transmitido online, através de um canal fechado – tarefa que coube aos alunos do Curso de Multimédia do Agrupamento de Escolas de Albergaria-a-Velha, guiados pelo professor Hugo Carvalho.
Miquelina, Maria da Cambalhota, Manjericona, Choina, Matilda e Tomázia de Sousa chegaram elegantemente atrasados, em busca dos lugares que lhes estavam destinados “na primeira fila, comós das entidades”. Os Caretas abriram a Gala com humor e informalidade, desde o momento em que os espectadores foram chegando às portas do CCSJL, com brincadeiras e petiscos. A as personagens caricatas foram criadas com base em estórias, dizeres e fazeres da terra, contados por gentes de outrora, conferindo-lhes um toque satírico aplicado à atualidade.
Os sketches d’Os Caretas tiveram estreia, ao longo das passadas semanas, nos canais digitais da Banda e do Jornal de Albergaria (JA), parceiro da iniciativa que deu a conhecer, entre outras aventuras, o 007 de São João de Loure, a “coronation” do Rei Carlos III e um dia de praia à moda antiga – com fato de banho completo e farnel na geladeira. Os episódios continuam disponíveis no Facebook e Instagram do JA.
Noite de prémios e gratidão
Já com os convidados de honra alojados, Catarina Almeida e Leandro Oliveira, apresentadores da noite, função que cumpriram com graça e companheirismo, chamaram a palco Fábio Silva para entregar o prémio “Presença” para “aquela pessoa que está sempre presente, mesmo quando o dia de trabalho é duro” e até aparece “depois de uma noite de Super Bock”.
Manuel Oliveira foi o primeiro vencedor da noite, com palavras de agradecimento e compromisso de que irá continuar a ajudar no que conseguir “sempre na base de grande amizade, etc, etc…”, despediu-se, deixando as ações falar por si.
Os Clarinetes da BVUS foram distinguidos como “Naipe do Ano”, aquele “mais seguro, sempre nos ensaios, que tem as pautas organizadinhas e a farda sempre direitinha”, descreve Leandro Oliveira. A apresentadora da noite celebrou com as colegas de naipe, sendo Catarina Almeida uma das clarinetistas da Banda.
Íris Batista foi premiada “Artista Revelação”, um “dos prémios mais importantes” pelo que significa para o futuro da Banda, sendo sempre entregue a “jovens que, desde cedo, sabemos que vão ter um futuro risonho”, nas palavras de Catarina Almeida. A artista agradece à BVUS pela oportunidade de estudar música e aos pais “que sempre me apoiaram nesta minha ideia”.
A espelhar a diversidade de talentos dentro da BVUS, foi entregue por Tiago Duarte a Francisco Pinho, que fez rir o público com a sua graça natural, o prémio “Humorista do Ano”. E porque as conquistas locais se celebram e movem pela geografia nacional, seguiu-se o prémio “Festa Concerto do Ano”, com nomeados de dentro e fora do concelho. A atuação da BVUS na Nossa Senhora da Cabeça, na freguesia de Freixieiro de Soutelo (Viana do Castelo), recebeu o galardão entregue por Mário Almeida “que tanto trabalha para conseguir estas festas”.
Por fim, coube ao Jornal de Albergaria, “parceiro mais importante a termos de divulgação”, nas palavras dos apresentadores, entregar o prémio “Melhor Fotografia”. O público elegeu, através do Facebook, o momento de uma romaria da BVUS captado pela lente de Clarisse Silva. O JA agradeceu o convite e frisou estar sempre disponível para “participar neste tipo de iniciativas que tão bem espelham diversidade e vivacidade do Associativismo local, que todos os dias trabalhamos para melhor conhecer e divulgar”.
“Vidas que ficam na vida da gente”
A noite fez-se igualmente de homenagens e menções honrosas a quem marcou as mais recentes décadas dos 197 anos da BVUS. O momento dedicado à “amiga Lília”, que faleceu recentemente, foi feita através de mensagens gravadas e projetadas em palco, recheadas de carinho e saudade.
Etelvina Almeida recorda que, no passado ano, quando telefonou a dona Lília, o estado de saúde da homenageada já debilitado, “ela tinha o vestido pronto para usar, mas quando chegou o momento não conseguiu. Esta foi uma conversa que me marcou muito. Quero deixar o meu obrigada à família da dona Lília que por continuar a apoiar a banda e por serem pessoas maravilhosas”, diz.
No vídeo, que deixou a audiência visivelmente emocionada, a amiga Lília é descrita como alguém que “a todo o sítio que ia, tinha as pessoas felizes”, “era muito sincera, muito humana” e tinha um grande sentido de humor – não sem dizer “as suas asneiritas”, como se sentia confortável a expressar, fazendo os outros rir.
Dona Lília, que marcou a passagem de muitos pela BVUS, foi descrita pelo antigo maestro da Banda como alguém que tinha “um sorriso aberto, fazia piadas” e “no final dos concertos aparecia sempre com um ramo de flores para ‘o meu querido maestro’ como ela me chamava”. Arnaldo Costa recorda ainda que era “ela que me puxava para cima nos dias mais complicados, com as suas tostas mistas – ou ‘francesinhas’ como lhes chamava – e as suas piadas. São estas pessoas com coração aberto que nos deixa saudade”, termina.
O apresentador da noite reforçou a mensagem. “Há vidas que ficam na vida da gente”, acrescentava. “Até sempre e para sempre”, terminou. Jorge André, filho da dona Lília, subiu ao palco para aceitar e agradecer a homenagem. “Sinto muita falta da minha mãe, mas sinto também que ela ia adorar estar aqui. A BVUS era um sítio onde ela se sentia muito bem, era acarinhada e respeitada”, diz, com emoção na voz.
Os quatro irmãos
Num momento de homenagem em vida, foram chamados João, Alberto, Manuel e António. Os quatro irmãos passaram pela Banda num altura em que a freguesia vivia com base numa agricultura de subsistência, educação rígida e trabalho árduo na terra, quando se caminhava de pés descalços e a roupa tinha de se fazer durar. Nestes tempos, a banda era uma escapatória, como foi para estes irmãos.
Os músicos foram surpreendidos com quatro jovens da Banda vestidos como os próprios, com bigode e farda à época – e cada um com respetivo instrumento: João no bongo, Alberto na caixa, Manuel nos pratos e António no trombone.
Os verdadeiros subiram ao palco e, a conter as lágrimas, aceitaram a distinção, entregue por Marisa Silva, filha do sr. Alberto e Sónia e Graciete, filhas do Ti Manel. “Não estava à espera de uma surpresa destas, mas estou muito feliz por estar aqui com os meus irmãos”, emocionava-se Alberto, o único que ainda faz parte da Banda e não sabia do momento, planeado com a cumplicidade dos irmãos para com a atual organização.
Fora da Banda, mas que muito contribui para a divulgação da mesma, Damião Silva foi lembrado e homenageado pela BVUS “pelo que faz por todas as bandas em Portugal”. O natural de Vila Nova da Gaia percorre o país, de certame em certame, a acompanhar e registar as atuações de todas as bandas filarmónicas que a vida lhe permite encontrar.
Curral dos Segredos
A noite foi intercalada com momentos de humor protagonizados pelos sempre participativos Caretas, entre os quais a ocasião em que tomaram o palco para ler em voz alta uma carta escrita pelo próprio Carlos III, na qual deixava aos seus amigos sanjoanenses parte da herança da mãe – um vestido, um par de sapatos e, entre muitas outras preciosidades, um conjunto de lingerie “que era para ter usado nas bodas dos 80 anos, mas não chegou a tempo”, lia-se. Um garrafa de Porto, oferecida ao atual rei de Inglaterra por Duarte Pio, “que é do velho – agora não sei se é o vinho ou o D. Duarte que é velho”, brincava uma das Caretas.
Para além de gargalhadas, houve, claro, música. A Associação Musical de Antuã (AMA) tocou temas clássicos e outros ligeiros, como o New York, New York de Frank Sinatra e o tema Gaivota, cantados por Mariana Maia. A Banda acompanhou igualmente as transições entre prémios com música ambiente tocada ao vivo, guiada por Nuno Santos, maestro da Banda pela noite, sendo André Rocha o atual maestro da AMA e vice-presidente da BVUS. “A freguesia está de parabéns quer a nível musical, quer a nível pessoal e isso ficou muito claro aqui esta noite”, frisava Virgílio Bandeira, presidente da AMA.
Ana Maria Bastos, presidente da Junta de Freguesia de S. João de Loure e Frossos, deu os parabéns à BVUS e elogiou o trabalho d’Os Caretas. “São todos merecedores de um grande Óscar. Muito obrigada por nos fazerem divertir”, sorria. António Loureio, presidente da Câmara Municipal de Albergaria, deixou à Banda “três palavras – um bem-haja, obrigado e parabéns”.
Para fechar, o edil juntou-se aos Caretas para cantar a versão BVUS do êxito Preço Certo de Pedro Mafama, na qual expressavam gratidão ao público. Em tom de mistério, para deixar um cheirinho daquilo que será o tema para a comédia do ano seguinte, ouviu-se “esta é a voz” ao estilo do reality show Casa dos Segredos. Estão oficialmente abertas as inscrições para o Curral dos Segredos.