Potenciar o património arqueológico, ambiental e paisagístico do Monte de São Julião é o objetivo do Projeto de Valorização e Conservação que foi hoje dado a conhecer em sessão pública, na Junta de Freguesia da Branca, com cerca de 20 pessoas na assistência. O futuro polo pedagógico, cultural e natural pretende envolver a população e ultrapassar as fronteiras do concelho.
O Município de Albergaria-a-Velha, em conjunto com o Centro de Arqueologia de Arouca (CAA), a Bioliving e a Loci Studio, deu hoje a conhecer os detalhes do Projeto de Valorização e Conservação do Monte de São Julião, onde desde 2014 decorrem trabalhos arqueológicos, num investimento superior a 150 mil euros, segundo informações dadas pelo vice-presidente da Câmara e vereador da Cultura, Delfim Bismarck.
Além da componente arqueológica que merece continuar a ser estudada e divulgada, o Monte de S. Julião é dotado de uma grande riqueza natural que o projeto quer desenvolver e colocar à fruição dos visitantes.
Perante uma assistência de cerca de 20 pessoas, Delfim Bismarck explicou resumidamente as valências do projeto e fez a apresentação do sítio de S. Julião que “começou a ser reconhecido na bibliografia arqueológica ao longo do século XX, tendo sido alvo de trabalhos arqueológicos em 1993-94, em consequência das ações de plantio mecânico de eucaliptal, que trouxeram a superfície vestígios da ocupação do monte durante os finais da Idade do Bronze, há cerca de 3000 anos, e que provocaram a quase destruição dos depósitos numa das zonas do povoado”. Nessa, altura, foram realizadas as primeiras intervenções arqueológicas.
Antes de passar a palavra aos restantes oradores, o vice-presidente disse que a Câmara pretende adquirir dois terrenos, um para possibilitar a instalação de um parque de estacionamento e outro para permitir criar uma vista desafogada até ao mar.
Desvendar o passado
António Silva, do CAA, responsável pelas dez campanhas arqueológicas realizadas nos últimos anos, falou sobre os vestígios de ocupação humana até hoje descobertos, respeitantes a três períodos distintos.
Da pré-História, com cinco mil anos de existência, há uma mamoa (monumento funerário) “muito singular”, que foi vandalizada ou desmantelada, talvez para aproveitamento das pedras que a cobriam, e cuja câmara funerária foi reaproveitada, ainda não se sabe para que fim, continuando a ser alvo de escavação e estudo.
Objeto de investigação tem sido também um povoado de finais da Idade do Bronze (cerca de 950-850 a.C.) e respetiva estrutura de delimitação. Esta “não era uma muralha militar ou defensiva”, informou o arqueólogo. Porém, seria vista de longe e garantiria alguma proteção, impedindo, por exemplo, a fuga de animais. Os eucaliptos destruíram vestígios que poderiam ajudar a compreender melhor aquele povoado, no qual foram encontrados objetos de uso doméstico, mas não estruturas de casas.
Datado da primeira metade do século XIX, o Posto de Telegrafia Ótica é outro curioso local, com muito para contar. Popularmente conhecido por “Talegre”, deu origem ao nome “Alto do Talegre”, por que é vulgarmente designado o Monte. O posto era uma estrutura militar de transmissão de mensagens, através de tábuas coloridas, conforme supõem os arqueólogos, que funcionava por sinais codificados, transmitidos para os telégrafos mais próximos, os quais, por sua vez, enviavam as mensagens para outros postos. O Posto de Telegrafia Ótica de S. Julião “é o primeiro no país a ser objeto de aprofundada escavação arqueológica”, disse António Silva.
É intenção dos arqueólogos prosseguir o trabalho de descoberta do passado, com a envolvência da população que tem sido chamada a participar e a visitar as escavações em dias abertos à comunidade. Em Julho deste ano, terá lugar a 11.º campanha arqueológica.
“Recuperação ecológica”
Em representação da Bioliving, Inês Santos salientou a importância da “recuperação ecológica do local, que é uma ilha no meio da monocultura de eucalipto”, com 19 espécies de flora nativa (carvalhos, castanheiros, medronheiros, entre outras) e cinco de flora exótica (erva-das-pampas, eucalipto, austrálias, tintureira e avoadinha), sendo que, destas, quatro são invasoras e têm de ser controladas. O património faunístico também é diverso, com 25 espécies de invertebrados, 54 de aves (17 já observadas), além de repteis e anfíbios, mamíferos não voadores e mamíferos voadores (morcegos – cinco espécies detetadas).
Em fevereiro e março, a Bioliving irá efetuar ações de remoção e controlo de invasoras, seguidas de plantação, para as quais convida desde já toda a comunidade (as datas serão divulgadas atempadamente).
Valorização arquitetónica
A arquiteta paisagista Amália Miranda, da Loci Studio, por sua vez, fez análise SWOT do local: entre os pontos fortes, “a vista fantástica” e o valioso património, e entre os pontos fracos, os acessos, as plantas invasoras e o domínio do eucalipto.
A proposta de valorização arquitetónica passa por criar uma zona de receção que sirva de introdução ao percurso oferecido aos visitantes, o qual terá uma sinalética em aço à semelhança da sinalética da Rota dos Moinhos, bem como, espaços de luz e sombra, um miradouro e vários pontos de contemplação da paisagem. Haverá também uma zona de estacionamento, casas de banho e estruturas lúdicas.
Memórias e reparos
No final da apresentação, o público foi convidado a intervir, para partilhar memórias e sugestões. Um popular lembrou que há 70 anos, quando era criança, ia ao “Alto do Talegre” apanhar lenha, e encontrava por ali uns “cacos”, sem imaginar que existia um património tão valioso.
Intervieram também duas dirigentes da Auranca – Associação do Ambiente e Património da Branca, que deram os parabéns pelo projeto e agradeceram à Junta de Freguesia, o convite para participarem na sessão. Contudo, mostraram a sua insatisfação por estarem poucas pessoas na sala, e uma das intervenientes lamentou que a Auranca não tivesse sido envolvida no projeto. “Não estamos zangados, estamos tristes, porque todos juntos podemos fazer melhor”, disse.
Delfim Bismarck respondeu que a envolvência da população é bem-vinda em muitos momentos, mas que o projeto em causa exige o trabalho de técnicos especializados nas diversas valências. O vice-presidente esclareceu ainda que o espólio arqueológico (utensílios de pedra lascada, lâminas de sílex, cerâmicas, objetos metálicos, botão de farda, entre outros) deverá ser exposto no futuro Museu da Cidade, para o qual já há projeto, mas falta financiamento.
António Silva explicou que esse espólio é de todos, “não tem fronteiras”, e que a seu tempo tudo ficará devidamente guardado, podendo até vir a ser exposto numa vitrina na Junta de Freguesia da Branca. Os resultados das escavações têm sido divulgados em publicações locais, como o Boletim Municipal ou a Revista Albergue. Uma pessoa da assistência disse ter conhecimento das campanhas arqueológicas através do Jornal de Albergaria.
Elevar o nome da freguesia
Na ausência de Carlos Coelho, presidente da Junta de Freguesia, coube a Sandra Marcelino o papel de anfitriã. A secretária agradeceu ao Município e restantes parceiros, e considerou que o Monte de S. Julião é um “local muito querido da freguesia”, que tem sido alvo de atenção por parte de uma série de associações e entidades, entre as quais a Auranca e outras que também foram contactadas, mas não apareceram na sessão. Sandra Marcelino manifestou a sua confiança no projeto, o qual resulta de “um trabalho de todos para todos”, e “é uma oportunidade de nos projetarmos na região e no país”, na certeza de que a intervenção prevista para o Monte de S. Julião “vai elevar o nome da freguesia e do concelho, para além das fronteiras regionais”.






