Natália de Jesus, falecida em setembro e uma das últimas artesãs que guardava a arte de criar esteiras a partir do bunho, foi homenageada na estreia do documentário que serve de ode às tradições e património natural da Pateira de Frossos.
Natália de Jesus aprendeu a transformar bunho em esteira aos 11 anos, com a mãe, servindo-se da matéria-prima plantada pelo pai. A artesã local, natural de Frossos, era uma das últimas guardiãs do engenho. Aos 81 anos, faleceu, vítima dos ferimentos provocados pelo incêndio que lavrou no concelho de Albergaria-a-Velha em setembro de 2024.
A saudosa artesã foi homenageada na estreia da curta-metragem ‘À Descoberta das Tradições na Pateira de Frossos’, apresentada, na terça-feira, no Centro de Interpretação da Pateira de Frossos (CIPF). O pequeno filme leva a audiência pela fauna e flora da Pateira, por entre terras verdejantes rematadas por vastos cursos de água, numa viagem que culmina nas tradições e gentes que mantêm viva esta bucólica paisagem.
Para além das esteiras de bunho, exibidas no filme através de imagens de arquivo de Ti Natália a mostrar os dotes de artesã, não ficou esquecida a cestaria criada a partir do salgueiro-branco, planta resistente e flexível, que se molda à vontade das mãos sábias dos antigos e – se seguida a mensagem do mini-documentário – das gerações vindouras. As técnicas artesanais foram destacadas pela relação que têm, simultaneamente, com o património cultural e sustentabilidade ecológica da terra.
“Desta vez, quisemos focar-nos nas pessoas, em como este sítio é por elas acarinhado e como foi sustento de tantas famílias ao longo dos tempos. A Pateira tem esse valor emocional, em grande parte ligado às suas tradições. Este filme é também um último Avé à dona Natália”, disse, ao JA, Gonçalo Abreu, responsável pela dinamização de atividades no Centro, onde a artesã chegou a dar workshops de como fazer as esteiras em vias de extinção.
A curta foi concretizada pelo CIPF e Associação BioLiving, em parceria com a SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia e o Município de Albergaria-a-Velha, com o apoio da MedWet – The Mediterranean Wetlands Initiative, tendo sido também criada a propósito do Dia Mundial das Zonas Húmidas, como é o caso da Pateira.
Juntar para concretizar
Este foi o segundo vídeo realizado no âmbito da parceria. O primeiro estreou em fevereiro de 2024 e focou-se numa introdução à Pateira de Frossos como zona húmida rica em biodiversidade.
Mónica Maia, da SPECO; e Sofia Jervis da BioLiving lembraram a importância de trabalhos feitos em coletivo, resultantes da conjunção de vontades comuns que seriam impossíveis de concretizar de forma individual; ponto reforçado por António Loureiro, presidente da Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha.
“E, no final, é Frossos que sai a ganhar”, sintetizou Mónica Maia, que desconhecia a Pateira antes da BioLiving começar a trabalhar no lugar, algo que deu como exemplo de vantagem proveniente de trabalhar com pessoas diferentes para chegar a públicos mais amplos e diversos.
A ideia para o documentário foi decidida e desenvolvida em conjunto, tirando proveito da tecnologia para as comunicações à distância, com elementos da produção no Porto e outros em Albergaria. A captação de imagem, edição e narração do vídeo ficaram a cargo de Diego Alves, que reside fora do concelho.
António Loureiro parabenizou o trabalho por “mostrar o que temos de melhor: as pessoas e o território”, lembrando dona Natália como a personificação desse cuidado que a população de Frossos tem na preservação das tradições e lugares. “Queremos que este trabalho seja uma homenagem a todos aqueles que trabalharam e trabalham na Pateira, aos que vivem dela e aos habitantes que tão bem a preservam”, reafirmou a representante da SPECO.
Disponível em breve
A professora Rosa Pinho, bióloga especializada na área da Botânica, que leciona na Universidade de Aveiro, foi convidada para assistir à projeção co-realizada por uma Associação que acompanha de perto desde o início.
“Eu vi a BioLiving nascer e crescer. Alguns dos membros são meus alunos e tenho sido convidada, esporadicamente, para participar em atividades. Acho louvável a forma como o Município de Albergaria acolheu a BioLiving, mesmo que quem a fundou não seja do concelho”, partilhou a professora.
Rosa Pinho conheceu Natália de Jesus quando veio a Frossos apoiar uma aluna na realização de um trabalho de etnobotânica – estudo da relação entre o Homem e as plantas. Já lá vão dois anos. “Estivemos uma tarde toda à conversa. Ela veio com uma esteira pequena, uma média e outra enorme. Eu não trazia dinheiro e fiquei de lhe vir comprar uma esteira, num outro dia. Nunca aconteceu”, lamentou.
A apresentação terminou com um Porto d’Honra na sala onde está ainda patente, mas por pouco tempo, a exposição ‘A Arte de Trabalhar o Bunho – Natália de Jesus’. A curta-metragem ‘À Descoberta das Tradições na Pateira de Frossos’ estará brevemente disponível nas redes sociais das entidades participantes – que pode encontrar aqui: CIPF, SPECO, BioLiving e Município de Albergaria.






