Beatriz Cruz e Márcia Alves voltaram há cerca de duas semanas de uma das maiores aventuras das suas vidas: atravessar o deserto de Marrocos para entregar material a crianças desfavorecidas. Depois de uma partida com muita ansiedade, a grande viagem chegou agora ao fim. Fica o sentimento de missão cumprida e uma “grande emoção pelos tantos sorrisos “roubados” às crianças”.
Entre os dias 15 e 23 de fevereiro as jovens integraram a 9ª edição do Uniraid. Partiram em direção a Marrocos no dia 14 de fevereiro, ao início da tarde, num Peugeot 205 de 1992 carregado com 150 kg de material solidário. Beatriz e Márcia percorreram cerca de 2500 km durante 9 dias.
“Fizemos muitos quilómetros por montanhas, planícies e dunas. Lugares onde nem água havia, surgiam crianças. Parecia que nasciam das pedras e sempre que viam carros, corriam para nos pedirem coisas. Até algo tão básico como água nos pediram. É chocante ver o desespero de crianças e famílias a pedirem-nos coisas tão básicas, que de outra forma não chegariam até elas”. Nem tudo foi “um mar de rosas”. Durante a viagem surgiram alguns percalços. “O dia 17 de fevereiro foi marcado com o apoio do motor do nosso carro partido. Ainda havia muitos dias pela frente e o medo de não podermos continuar era muito. No entanto, com a ajuda de outras equipas, conseguimos arranjar a peça que precisávamos junto de pessoas locais, substituí-la e no dia seguinte continuar a nossa missão, como se nada tivesse acontecido. Os dias passaram, o cansaço aumentava com as noites mal dormidas no deserto e todas as peripécias que iam acontecendo. Terminamos a nossa missão com a chegada a Marrakech no dia 21 de fevereiro”, contam-nos as jovens.
Agora, mais tranquilas e com a “sensação de dever cumprido”, garantem que “o sentimento é de grande emoção”. Agradecem “o apoio e ajuda de todos os patrocinadores e pessoas individuais que estiveram sempre prontas a ajudar. Fomos todos juntos nesta viagem e todos juntos levamos alguma felicidade às crianças de Marrocos. Não nos esquecemos também de todos aqueles que se preocuparam connosco. (…) Agradecemos muito ao Jornal de Albergaria por ter tido um papel tão importante na divulgação do nosso diário de bordo. Com a ajuda do Jornal, esperamos também ter chegado a mais pessoas, ter transmitido o que foi a nossa aventura e incentivar outros jovens a fazer o mesmo ou algo semelhante pelos outros. Sabemos que não foi suficiente e que ainda há muito para fazer por aqueles meninos e meninas e tantos outros que vivem em condições ainda piores, mas se todos dermos um bocadinho de nós, fazemos a diferença”. Márcia e Beatriz acreditam que o lema da viagem foi “tornar o impossível em possível”, pelo que pretendem transmitir a todos que, “quando a força de vontade e o objetivo final são o único foco, tudo se consegue, mesmo o que parece impossível”.
DIÁRIO DE BORDO, por Beatriz e Márcia
Diário 1 (15-02)
É difícil definir quando é que começou o nosso dia de hoje porque, apesar de ser o primeiro dia de uniraid, toda a aventura começou ontem! Saímos de Albergaria ao início da tarde. Quando estávamos já próximo de Castelo Branco, o carro de um dos nossos amigos com quem íamos teve uma avaria grave que nos obrigou a parar 5h. Depois de muitas peripécias, continuamos a viagem, mas mesmo viajando a noite toda seguida, chegamos a Algeciras depois da hora prevista. Apanhámos um ferry das 11h. Chegamos a Marrocos por volta das 14h. Viajamos desde Tânger até Meknes onde nos encontrámos com as restantes equipas e organização. Fizemos todas as verificações técnicas. O nosso material solidário já foi quase todo guardado num camião que nos ajudará a transportar todas as coisas que as equipas trouxeram. Esta noite será de muito descanso.
– Dia 2 (16-02)
O dia começou às 6h30 locais, rumo a atravessar o atlas. No total fizemos 338km. Passamos por zonas onde seria impensável existirem pequenas povoações. Fizemos vários km onde só existiam pedras e montanhas, e de repente apareciam crianças e as mães junto à estrada onde passávamos para nos pedirem coisas. Canetas e peluches deixavam todos os meninos e meninas com um sorriso genuíno de felicidade! No fim da tarde, quando chegámos ao acampamento, tivemos a visita de 4 escolas para podermos entregar mais algum material que trouxemos! Hoje vamos descansar mais cedo, para termos energias para o que vem aí!
– Dia 3 (17-02)
Foi o primeiro dia de deserto. Ficámos presas no primeiro monte de areia, o que é normal por não termos experiência. Depois disso não voltámos a ficar presas. No fim do percurso passámos por uma trialheira bastante acentuada e com muitas pedras soltas que dificultou bastante a subida e quando já estávamos a terminar, tivemos uma avaria no carro. Não foi nada de muito grave e já está a ser resolvido para amanhã podermos continuar. Durante todo o percurso de hoje fomos encontrando bastantes crianças, a quem entregámos kits de material escolar.
– Dia 4 (18-02)
O percalço de ontem no nosso carro ficou resolvido com a ajuda preciosa de outras equipas. Viajamos pelo deserto de Erg Chebbi. Aqui estávamos a grande distância das povoações, onde nada existe, apenas pedras e dunas… Mesmo nestes lugares, vivem pessoas em pequenos casebres sem condições, completamente isolados de tudo. Quando nos viam a aproximar, saíam a correr das casas para virem ao nosso encontro… Entregamos tudo o que conseguimos a estas pessoas, com o sentimento de que muito mais haveria para fazer. Foi muito gratificante, mas sentimo-nos tão pequeninos!
– Dia 5 e 6 (19 e 20-02)
Apesar de estarmos numa missão especial, também houve direito a uma etapa maratona! Ontem e hoje, fizemos percursos em pleno deserto, alguns na rota do Dakar. Passamos e pernoitamos junto à fronteira com a Argélia. As nossas capacidades de organização em equipa e orientação foram postas à prova nestes 2 dias. Ficámos no deserto, completamente isolados de tudo… só escuridão e sem nenhum apoio. A componente solidária esteve sempre presente! Continuam a aparecer crianças de todo o lado… Famílias que vivem em grande pobreza. Tentámos ajudar as crianças que encontrámos da melhor forma que conseguimos, mas é chocante ver que em pleno século XXI existem pessoas a viver com tão pouco, mas, que ao mesmo tempo, o pouco que trazemos, lhes traz tanta felicidade!
– Dia 7 (21-02)
Terminou hoje a nossa missão no Uniraid com a chegada a Marrakesh. No fim do dia, refletimos juntamente com a organização sobre tudo. Há alguns meses atrás parecia ser impossível, mas com garra e determinação, conseguimos tornar o impossível em possível. Fizemos cerca de 2500km pelo deserto, distribuímos material solidário por crianças e famílias que vivem isoladas das civilizações…. Fizemos percursos com um grau de dificuldade bastante elevado. Sabemos que trouxemos alguma felicidade às crianças com que estivemos, mas vamos com o sentimento de que muito mais devia ser feito. Agora iremos descansar, para domingo bem cedo iniciarmos a viagem de regresso a casa. Esta foi sem dúvida a experiência das nossas vidas e como nossa aprendizagem, incentivamos todas as pessoas a nunca desistirem dos seus objetivos, mesmo quando parecem ser impossíveis…